São Paulo, sábado, 18 de junho de 1994
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Japão diz que pode construir bomba nuclear

TERRY MCCARTHY
DO "THE INDEPENDENT", EM TÓQUIO

O primeiro-ministro japonês, Tsutomu Hata, admitiu ontem, pela primeira vez, que seu país tem capacidade para construir armas nucleares.
A declaração será entendida na Ásia oriental como indício de que talvez as circunstâncias o obriguem a fazê-lo.
"O Japão tem capacidade para possuir armas nucleares, mas não as fabricou", disse Hata em reunião no Parlamento (Dieta).
Seu comentário, feito num momento de tensão provocada pelo suposto programa nuclear norte-coreano, reverte um tabu vigente há 50 anos no único país do mundo que já sofreu um ataque nuclear.
É provável que suscite protestos furiosos dentro do Japão e na Coréia do Norte.
Já faz tempo que se supõe que o Japão, com grandes estoques de plutônio e um alto nível de perícia tecnológica, tenha a capacidade de produzir uma arma nuclear.
Mas até ontem nenhum representante do governo –muito menos o primeiro-ministro– havia ousado admitir que o Japão pudesse se nuclearizar.
Tóquio já afirmou repetidas vezes que vai seguir sua chamada política dos "três nãos": não possuir, não fabricar e não introduzir armas nucleares em seu território.
No início do ano, o jornal "The Independent" foi denunciado pelo Ministério japonês do Interior por sugerir que o Japão pudesse construir uma bomba nuclear e armá-la com seus próprios mísseis.
Um dos maiores temores suscitado pelo programa nuclear secreto norte-coreano é que ele possa provocar uma reação regional.
Isto levaria Japão, Coréia do Sul e Taiwan a procurarem desenvolver armas nucleares e daria início a uma corrida armamentista ainda mais mortífera e instável do que aquela travada entre os Estados Unidos e a ex-União Soviética.
Os comentários feitos por Hata mostram quão rapidamente uma perspectiva desse tipo poderia se concretizar, se não derem certo as tentativas de forçar a Coréia do Norte a abandonar qualquer programa de armas nucleares que possa ter e de provar isto a seus vizinhos, permitindo inspeções internacionais completas.
O Ocidente, em especial os Estados Unidos, suspeitam que a Coréia do Norte esteja desviando combustível de suas usinas para contruir armas nucleares.
Numa reunião de um comitê parlamentar, um deputado oposicionista perguntou a Hata se o Japão deveria confirmar para "outras nações" que realmente tem condições de produzir armas nucleares, mas que não o faz por razões políticas.
O premiê Tsutomu Hata disse que "concordava absolutamente".
A ameaça nuclear norte-coreana dividiu o Parlamento japonês. Os conservadores pedem uma abordagem inflexível às sanções, enquanto os socialistas repetem sua política de amizade com a ditadura do líder norte-coreano Kim Il-sung, que vêm mantendo e cultivando há décadas.
Após reunião da comissão parlamentar, onde Hata fez as declarações, jornalistas pediram ao premiê que confirmasse suas inusitadas observações, coisa que ele fez.
Mais tarde, porém, o secretário-chefe do gabinete, Hiroshi Kumagai, abrandou o efeito das palavras do primeiro-ministro.
"Não é verdade que o Japão esteja desenvolvendo armas nucleares", disse Kumagai.
"O Japão restringe sua utilização de energia nuclear a fins pacíficos, se abstém de qualquer utilização militar e não procura possuir tecnologia ou know-how de armas nucleares".
Mais de 100 mil pessoas foram mortas em Hiroshima e mais de 70 mil em Nagasaki pelas bombas atômicas jogadas pelos norte-americanos, em agosto de 1945.
Desde então, os políticos japoneses usam os horrores de Hiroshima e Nagasaki para sublinhar a Constituição pacifista de seu país.
A legislação renuncia à guerra e ao uso da força para resolver quaisquer disputas internacionais.
Tsutomu Hata já disse que seu governo vai apoiar no Conselho de Segurança da ONU o pedido de sanções contra a Coréia do Norte, feito pelos Estados Unidos.
Mas o Partido Socialista, cujos votos seriam decisivos, se opõe à aplicação das sanções.
Tradução de Clara Allain

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