São Paulo, sábado, 18 de junho de 1994
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A banalidade do mal

Esta foi uma semana particularmente triste para o Brasil em termos de violência. Desde o último domingo, o país vem assistindo a uma impressionante série de assassinatos que despertou a atenção da sociedade para os intoleráveis níveis de brutalidade com que se convive.
No último domingo foi assassinado em São Carlos, no interior paulista, o casal de sindicalistas José Luís e Rosa Sundermann. Aparentemente, o crime teve motivações políticas. Também no domingo a cidade de São Paulo registrou duas chacinas que vitimaram 18 pessoas. Os motivos ainda não são claros, mas as hipóteses vão da ação de esquadrões da morte à vingança.
Na segunda-feira, morreram a chumbo no Rio os militantes petistas Reinaldo Guedes Miranda e Hermógenes de Almeida da Silva Filho. Suspeita-se também neste caso de crime político. Como que troçando da idéia de civilização, na terça-feira, foram encontrados no Rio 13 corpos perfurados a bala de grosso calibre. Atribuíram-se as mortes à chamada guerra do tráfico. Na quarta, numa avenida do elegante bairro paulistano do Morumbi, foram encontrados os cadáveres de três jovens. De novo as suspeitas recaem sobre "justiceiros" ou sobre a rivalidade entre gangues.
Esses fatos já bastariam para qualificar esta semana de semana dos horrores. Na madrugada de quinta, porém, a morte do publicitário Antônio Carlos Patrício Valério em São Paulo mostrou a todo o país a dimensão da banalidade do mal; a vida pode não valer mais do que um pouco de mostarda derramada sobre a pintura de um carro de luxo.
Se todas as absurdas mortes anteriores encontravam um lugar na distorcida lógica que move um homicida –vingança, paga, política, rivalidade, pouco importa–, o assassinato do publicitário choca pela completa ausência de motivo. Ele apenas tentava apartar uma briga entre um grupo de jovens e algumas garotas em torno de um pouco de mostarda derramada. Encontrou a morte. Há algo profundamente errado com o país em que o respeito à vida chegou a esses níveis.

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