São Paulo, sábado, 18 de junho de 1994
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Contra as práticas lesivas

WINSTON FRITSCH

A lei antitruste aprovada é um instrumento adequado para o combate à inflação?
SIM
Ao contrário de outros planos, o Plano Real não adotará congelamento ou qualquer outra forma impositiva de controle de preços. O processo inflacionário só poderá ser efetivamente controlado por meio de políticas macroeconômicas coerentes e pelo compromisso permanente com políticas que estimulem a concorrência. Para tal, o governo conta com dois instrumentos básicos.
Por um lado, a política de abertura comercial, de modo a estimular a competição externa, sem dúvida o instrumento mais eficaz a longo prazo.
Por outro, a política de competição doméstica, baseada tanto na desregulamentação, quanto em instrumento legal que evite a possibilidade de uso abusivo de poder de mercado em setores não concorrenciais e pouco sensíveis à competição externa.
É nesse sentido, de elemento coadjuvante, que uma lei antitruste moderna pode contribuir para a estabilização.
A nova lei antitruste brasileira basicamente consolida os diplomas legais existentes, acrescentando algumas mudanças que a experiência mostrou serem necessárias e dando maior agilidade aos procedimentos de apuração.
Ao optar por fortalecer a instância administrativa da política de concorrência, seguindo a tendência internacional, o Legislativo incorporou critérios econômicos de avaliação dos efeitos das práticas restritas e atos de concentração sobre o funcionamento do mercado em consonância com a vocação não só repressiva, mas principalmente preventiva, da política de defesa da concorrência.
Dentre as mudanças mais significativas incorporadas à nova lei destacam-se:
1) a submissão dos monopólios legais às regras que visam incentivar práticas leais de mercado;
2) a instituição do compromisso de cessação de prática, instrumento previsto em diversos países, conferindo extrema agilidade e efetividade à aplicação da lei;
3) a adoção de medidas preventivas quando houver fundado receio de lesão irreparável ao mercado ou de ineficácia do resultado final do processo;
4) a tipificação do aumento arbitrário de preços, criando paradigmas para a sua configuração legal até então inexistente e que impossibilitava a caracterização da infração nas leis anteriores;
4) a transformação do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) em autarquia, conferindo-lhe autonomia administrativa viabilizando a criação de um corpo de procuradores para representá-lo em juízo, garantindo defesa das decisões de ordem administrativa junto ao Poder Judiciário.
É evidente que o novo instrumento legal e, em especial sua aplicação, pode e deve ser aperfeiçoado pela crítica construtiva. Mas a reação à "outrance", alarmista e negativa, por parte de setores conservadores, é ideológica e não fundamenta-se em análise cuidadosa da nova lei.
Da mesma forma que os escravocratas do século passado vaticinavam cenários catastróficos como consequência da legislação abolicionista –ou, mais recentemente, quando da aprovação do Código de Defesa do Consumidor–, os conservadores deblateram contra a nova lei como algo que imporá obstáculos intransponíveis à atividade econômica livre e lucrativa nos inúmeros setores concentrados da economia brasileira. Nada mais falso.
A lei apenas submete à maior visibilidade as ações dos participantes mais poderosos em mercado onde vigoram relações assimétricas de poder.
O que se pretende é inibir práticas claramente lesivas ao bem comum, permitindo amplo direito de defesa ao acusado. Exatamente como se faz na maioria dos países de tradição democrática e economia de mercado.

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