São Paulo, sábado, 18 de junho de 1994
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Concorrência sim, controle de preços não

JOSÉ DEL CHIARO

A lei antitruste aprovada é um instrumento adequado para o combate à inflação?
EM TERMOS
A necessidade da lei antitruste é fato inconteste diante dos abusos que estão sendo praticados e não podem prescindir de uma atuação firme visando a preservação da competitividade. Daí porque ser a favor dessa legislação, mas discordar do enfoque à ela atribuído por nossas autoridades.
Expliquemo-nos: por essa lei se disciplina o combate aos abusos do poder econômico levados a termo por agentes em posição dominante e que possam, nessa condição, perturbar a concorrência, sendo esta, afinal, a razão da possibilidade do Estado intervir na economia prevista no parágrafo 4º do artigo 173 da Constituição, observados os limites definidos nesse dispositivo.
Importa diferençar, desde logo, o instrumento de controle de preços, imaginado por alguns, dos mecanismos de prevenção dos abusos do poder econômico, constantes nas leis de defesa da concorrência.
A lei antitruste, adequadamente aplicada, por viabilizar a espontânea atuação dos agentes de mercado, contribui para reduzir algumas causas da inflação.
Já o desvio de sua finalidade, transformando-a em mero instrumento de controle de preços, inibe mencionados agentes, reprimindo os mecanismos de mercado, represando a inflação, sem contudo eliminar as suas causas.
A desinformação sobre a compreensão e o alcance dessa lei, agravada pela sinalizada possibilidade de sua utilização intimidatória, redunda em críticas malformuladas, não à essência da lei, mas aos desvios de suas finalidades.
Nesse sentido, a lei 8.884/94, artigo 87, acaba por "autorizar" o monitoramento indireto de preços, assim impedindo a espontaneidade dos agentes e negando a essência mesma da permissão constitucional destinada a garantir o equilíbrio do mercado.
Se impõe, pois, a supressão de suas extravagâncias, como a alteração do artigo 39, do Código de Defesa do Consumidor, determinada pelo artigo 87, desta lei, que de modo diverso de seus demais dispositivos e quebrando a sua coerência, ignora o balizamento constitucional, da posição dominante e do poder econômico, ao caracterizar como prática abusiva a elevação sem justa causa do preço de produtos ou serviços.
O Congresso Nacional, ao ter aprovado essa "indireta possibilidade de monitoramento de preços", pode ter posto no escanteio o mandamento constitucional expresso no mencionado parágrafo 4º do artigo 173 da Constituição.
Vejamos quem, nesta fase de Copa do Mundo, fará o pênalti impondo a mais grave das faltas aos brasileiros, ainda que a pretexto de suas lídimas defesas, fomentando, desse modo, o inevitável descrédito das instituições.
A intimidação e o monitoramento de preços –como a caça de bois no pasto–, por não disporem do imprescindível respaldo constitucional, com certeza acabarão sendo negados no Judiciário, encerrando-se assim a partida sem vencedores e com a sociedade mais uma vez derrotada, amargando uma previsível inflação e com uma lei antitruste por certo desmoralizada, além de um Código de Defesa do Consumidor enfraquecido por sua possível má utilização.

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