São Paulo, domingo, 19 de junho de 1994
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Criminoso preso não ameaça o cidadão

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Nas próximas eleições um dos temas que certamente chamará a atenção dos eleitores, nos debates públicos, será a visão dos candidatos sobre a questão da criminalidade e da violência urbana. Três pessoas me ponderaram, durante a semana, que não tenho dado suficiente atenção ao assunto. É possível que tenham razão, pois num país em que sobram leis e controvérsias jurídicas o comentador que acompanha os fatos do direito sofre com o excesso de notícias a comentar.
Recentemente, o senador José Paulo Bisol viu suas declarações sobre o direito à violência pessoal largamente repercutidas na imprensa. A violência pessoal não é, evidentemente, o caminho a adotar -conforme o próprio Bisol esclareceu- mas é autorizada em alguns casos, dos quais o mais conhecido é o da legítima defesa.
Nesta semana, um professor de educação física, reagindo a assalto, matou a tiros seus três agressores. A autoridade policial disse que, na aparência, nem seria o caso de prisão, ante a legítima defesa. Contudo, matar ou ferir o criminoso submete quem reage a longos processos, a despesas e ao tempo perdido no andamento forense.
Cabe, portanto, examinar quais os melhores caminhos abertos aos cidadãos ante a criminalidade crescente. Quem examine o problema sem maior profundidade reclama agravamento das penas. Discordo dessa solução: pode-se pensar em variar a dosagem das punições, mas o incentivo à criminalidade não está em penas mais graves, mas na impunidade.
O leitor me perguntará porque a impunidade continua. Na crise social do mundo moderno, descobriu-se a crise específica dos mecanismos de apuração e punição dos delitos: são incapazes de bem cumprir a tarefa para a qual foram criados. Faltam pessoas e aparelhamento material, há a corrupção, o despreparo técnico. Isso na fase policial.
Na fase judicial (quando os fatos chegam ao juiz, pois nem todos chegam), os réus pobres correm o risco de serem julgados logo. Nem sempre, com varas congestionadas e processo complicado até mais além das garantias da defesa. Os réus ricos nunca são julgados logo, ainda quando seja para serem absolvidos. O mal também não está na lentidão legítima, porque esta garante os inocentes. O mal está na lentidão proveniente da burocracia e da insuficiência da máquina oficial.
Assim, insisto: as penas, como regra, podem ficar como estão, desde que a Justiça seja tão célere, que não ofenda o respeito do povo e tão lenta, que não ponha em risco a ampla defesa e o contraditório. Mas, decretar a punição dos culpados, na sentença, ainda não é tudo. É necessário que a decisão judicial seja cumprida. Esta finalidade é particularmente importante para a cidadania, nos delitos contra a integridade física das pessoas.
O estuprador, o homicida profissional, o sequestrador ofendem toda sociedade por delinquirem, por permanecerem livres e por serem libertados depois de curtos períodos. Distingo esses criminosos dos autores de outros delitos. Quando forem processados na forma da lei e, assim, condenados, quanto mais tempo ficarem presos, mais tempo a sociedade ficará livre da ameaça que representam.
Está na consciência social o temor pela criminalidade violenta. A consciência social repercutiu na tipologia dos crimes hediondos. Até aí a variação das penas, com seu agravamento, correspondeu a uma necessidade. Todavia, será inútil aumentar as condenações se o grande drama da criminalidade crescente continuar a ser o da impunidade.

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