São Paulo, segunda-feira, 20 de junho de 1994
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Bradesco vai trocar CR$ 1,1 tri por reais

RODNEY VERGILI; FIDEO MIYA

(continuação)
Folha - Qual é a sua avaliação do Plano Real e dos efeitos da queda da inflação sobre os lucros do sistema financeiro?
Lázaro de Mello Brandão - Depois de décadas de inflação, põe-se em dúvida se a estabilidade interessa ao sistema financeiro. Temos que desmistificar essa história. É uma tolice enorme. Temos o exemplo dos países adiantados, em que os bancos ganham– e ganham bem –e são saudáveis num regime não-inflacionário. Podemos repetir o mesmo desempenho aqui, com muito mais segurança. Os bancos –e particularmente o Bradesco– têm perseguido o regime de estabilidade desde o Plano Cruzado, em 1986. Lá, nós verificamos que, mais cedo ou mais tarde, o Brasil teria que conviver com uma economia e uma moeda estáveis. Não só o Cruzado, como os outros planos que o sucederam, não funcionaram, inclusive os mais recentes –Collor 1 e 2– que foram até mais violentos. Não obstante, convergimos todo o trabalho para nos situarmos dentro de um período de estabilidade.
Folha – O que o Bradesco fez para se ajustar?
Brandão – O banco fez o que se chama de enxugamento da máquina –no sentido da utilização dos recursos e das instalações apropriadas, do apoio da informática e contenção do quadro, dentro de um processo que o tempo nos facultou fazer com muito equilíbrio, com muito cuidado, sem nenhum conflito nas áreas trabalhistas e sindicais. Hoje, temos menos da metade do quadro que tínhamos naquela época. Mas nos últimos anos o volume de operações, no sentido de atendimento, tem crescido substancialmente, na ordem de 20% ao ano.
Folha - Essa idéia então vem sendo perseguida desde 86?
Brandão - Sem nenhum recuo. Numa economia recessiva, com poder aquisitivo enfraquecido, a nossa luta, em um banco de varejo, é muito maior e o número de operações não reflete, vamos dizer, a performance global. Mas hoje nos sentimos inteiramente confortados para enfrentar o período de estabilidade.
Folha - Como o senhor avalia a perspectiva de sucesso do plano, tendo em vista que as chamadas reformas estruturais foram adiadas?
Brandão - Esse é um desafio muito grande na sustentação do plano. Mas imagino que a euforia gerada pelo plano vai produzir na sociedade uma demanda pelos ajustes que ficaram para trás ou que não foram feitos e influenciar o governo e o Congresso para acelerar a sua implementação.
Folha - Como o senhor avalia o futuro do plano em função da possibilidade de vitória eleitoral do candidato do PT ou do PSDB?
Brandão - Seja qual for o resultado, esse plano não dá para ser descartado. Evidentemente, um pode dar uma ênfase maior e, naturalmente, se propor a fortalecê-lo, e o outro candidato pode ter, vamos dizer, menos entusiasmo. Mas em qualquer hipótese, acho que o novo presidente será obrigado a conduzir o plano com sucesso.
Folha - O que muda no Bradesco com o Plano Real?
Brandão - Em resumo, o banco está confiante no plano, achando que ele depende de muita firmeza do governo para ter continuidade, para subsistir. Mas o banco enfrenta o período de estabilidade achando que está preparado. Depois de um período de ajuste –é evidente que sempre há o imprevisível dessa fase– certamente estaremos com uma capacidade muito maior. Um exemplo: na área de empréstimo, que é a função precípua do banco, hoje nós alocamos recursos da ordem de 2,5 a três vezes o patrimônio, quando tecnicamente isso pode ir a 12 ou 15 vezes o patrimônio. Certamente o "spread" (diferença entre o juro cobrado e pago) será menor, mas o banco terá uma alavancagem excepcional, um crescimento enorme no volume.
Folha – O Bradesco vai aumentar as tarifas bancárias?
Brandão –Num período inflacionário, o próprio cliente acha que está dando giro suficiente para se desobrigar do pagamento de tarifas. Mas na estabilidade isso desaparece. Nesta fase que antecede a estabilidade, nós já incorporamos em nossa rotina de trabalho uma progressão de ajustes na cobrança de tarifas. 45% da nossa folha de pagamento, com encargos, já estão cobertos pelas tarifas de serviços, que terão a capacidade ampliada.
Folha - Qual é a expectativa do banco na área de cartão de crédito?
Brandão - O banco confia muito numa explosão na área de cartão de crédito, onde temos feito grandes investimentos nos terminais de lojas. O banco tem quatro mil e poucos terminais e vai agregar mais 20 mil em um ano. Investimos também na área do cartão de afinidade, que cria uma capacidade de agregar um número muito grande de associados.
Folha - E em outras áreas de negócios?
Brandão - Uma particularidade nossa é que o banco investiu parcelas ponderáveis das reservas técnicas da seguradora e da previdência em participações minoritárias em empresas, especialmente de áreas industriais, que também vão deslanchar e trazer um retorno que vai nos ajudar muito. Fizemos isso nos períodos de vacas magras.
Folha - Como está sendo o comportamento da caderneta de poupança?
Brandão - O Banco Central tem informações de que está havendo incremento, mas não é o que está acontecendo no nosso caso, como banco de varejo, onde o comportamento foi diferente dos bancos de atacado. Nos primeiros 15 dias deste mês, tivemos até um recuo sutil, de 0,81%, em relação ao saldo de maio. Os saques foram mais acentuados nas agências localizadas em bairros de periferia, por isso acreditamos que foram feitos pela população de menor poder aquisitivo, que eventualmente pode estar migrando para consumo. Mas não é uma coisa que desequilibre.
Folha - Qual é o saldo do Bradesco na caderneta de poupança?
Brandão - Cr$ 9,6 trilhões, equivalentes a US$ 4,3 bilhões. O banco tem 16% do mercado, incluindo a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil.
Folha - Como está sendo preparada a operação de troca de moedas no Bradesco?
Brandão - Nós estamos convocando todos os 25 mil caixas para esses dias extras. Estamos trabalhando de forma ramificada com as nossas 33 tesourarias regionais: quatro na Grande São Paulo, duas no Rio e as outras espalhadas pelo país. As tesourarias já estão recebendo as moedas do Banco Central e devemos já começar a entregá-las para as agências. Estamos também fazendo um trabalho de relacionamento dos nossos gerentes com empresários de transporte coletivo, de supermercados, do comércio em geral, para que eles tenham o troco em real já na véspera. Então, no dia 1º o ônibus já deve sair da garagem com o troco em real. Quando as pessoas se levantarem no dia 1º e forem à padaria, o padeiro já terá o troco em real.
Folha – Como isto vai funcionar?
Brandão – Nós vamos entregar o real em consignação no dia 30 e o empresário vai assumir um compromisso conosco de que não vai espalhar a nova moeda nesse mesmo dia. Com isso, vamos evitar o fluxo desses comerciantes no balcão das agências nos dias 1º, 2, 3 e 4 de julho, já que eles vão receber o troco em real antecipadamente.
Folha - Como está sendo feita a previsão da quantidade necessária?
Brandão - Ouvimos todas as agências e nos baseamos também em nosso banco de dados, onde temos o que se paga no início de cada mês e projetamos a inflação desse mês, acrescentamos um percentual para atender aquele público que não frequenta banco, que vai lá só para trocar o dinheiro. Consideramos também que é um período de pagamentos de aposentados e da folha de empregados que recebem salários no início do mês. Então, deu uma soma considerável. Só em moedas metálicas, por exemplo, nosso orçamento para os quatro primeiros dias é de 60 toneladas.
Folha - Quanto o Bradesco vai movimentar nessa troca?
Brandão - A encomenda que fizemos para o Banco Central para esses quatro primeiros dias é de R$ 410 milhões. Não temos ainda idéia para depois disso. As agências dão a previsão sempre com 72 horas de antecedência, comunicam às tesourarias regionais e estas fazem a encomenda às dez delegacias do Banco Central ou, onde elas não existirem, ao Banco do Brasil, que também é distribuidor.
Folha - Como será o esquema dos caixas automáticos?
Brandão - Com base nos horários de fluxo de pessoas nos terminais ATMs (caixas automáticos), disponíveis em nosso banco de informações, entendemos que dá para fechá-los a partir das 21h do dia 30 –pretendemos fechar a última máquina até a meia-noite. O reinício de pagamentos nesses terminais só poderá ser feito a partir do dia seguinte, porque é necessária a mudança no programa. A nossa expectativa é que, a partir das 8h da manhã do dia 1º as ATMs e o nosso Banco Dia e Noite já estejam pagando em real, principalmente aquelas máquinas integradas nas agências. Até o meio-dia, no máximo, todas elas, inclusive as dos logradouros públicos, estarão abertas com o real.
Folha - Essas máquinas vão ser adaptadas para pagarem em moedas metálicas?
Brandão - Não, essa máquina não pagava em moeda metálica, nem vai pagar. Vamos só colocar cédulas de R$ 5,00 e R$ 10,00.
Folha - O que representa esse volume de R$ 410 milhões em relação ao movimento das agências do Bradesco?
Brandão - Nós estamos orçando o dobro da demanda que atendemos normalmente, por causa da população que normalmente não frequenta banco. Mas não há necessidade de se correr ao banco nesses primeiros quatro dias para trocar dinheiro, porque o cruzeiro real vai continuar valendo até 15 de julho e as pessoas terão 15 dias para continuar pagando ônibus, cafezinho ou fazendo compras no comércio.
Folha - Existe uma estimativa de quanto será o crescimento dos depósitos à vista em função da queda da inflação?
Brandão - Com base na experiência do Cruzado, os depósitos à vista devem se multiplicar em 3 ou 4 vezes. Temos atualmente US$ 500 milhões de depósitos à vista. Portanto, eles podem chegar a US$ 1,5 bilhão ou US$ 2 bilhões.

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