São Paulo, segunda-feira, 20 de junho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Série preserva Ópera de Viena ao vivo

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

A gravadora alemã Koch Schwann começou a editar há três meses a série “Ópera Estatal de Viena Ao Vivo”, com 48 CDs de gravações inéditas realizadas entre 1933 e 1944 na casa de ópera austríaca.
O primeiro lançamento traz doze CDs. A coleção será completada no fim de 1995. Serão 48 volumes, com dois CDs e um livreto explicativo cada um. A gravadora distribuiu um CD de amostra, com o melhor de toda coleção.
Os registros não são profissionais, mas o material compensa. Traz a fase de platina da Ópera de Viena, com suas divas e regentes não menos divos.
As gravações ficaram guardadas durante meio século na casa do engenheiro de som Hermann May. Ele trabalhou como técnico de palco da Ópera de Viena entre 1932 e 1944 e aproveitou para gravar em segredo todas as performances que lhe pareciam interessantes.
May instalava seu gravador caseiro entre o palco e as coxias e ia cuidar do maquinário de palco. Não tomava conta do aparelho durante as récitas e, quando voltava, levava para casa o resultado. Se isso já seria temerário hoje, nos anos 30 era coisa de lunático.
Mas ainda assim funcionou. Por causa dos ruídos dos bastidores e da má qualidade da fita, o produtor da coleção aproveitou 20% das sessões para remasterização. O que May deixou escapar é quase inimaginável, mesmo porque nem ele sabe exatamente o que perdeu.
Esses registros muitas vezes defeituosos resultaram em um dos mais ricos arquivos da ópera. Fazem ressurgir um elenco de excêntricos que vincaram uma época.
O baixo-barítono alemão Hans Hotter, hoje com 85 anos, tinha surtos de trovão em Wagner quando em cena. Nunca mostrou tamanho entusiasmo em estúdio. Seu tesouro é ao vivo e ele aparece em várias gravações da coleção.
Hotter faz Jochanaan em “Salomé”, do compositor alemão Richard Strauss (1864-1949), na versão de 1942, com direção do compositor. A gravação consta do terceiro volume e mostra um desempenho elástico do cantor. Em 1952, Hotter seria empalhado na Valhala de Bayreuth.
Entre as muitas curiosidades da coleção figura a participação da soprano alemã Erna Berger (nascida em 1900) em “A Flauta Mágica”, de Mozart, levada à cena em 1936,com regência de Hans Knappertsbuch (1888-1965). A Rainha da Noite de Erna foi seu maior e único triunfo. O chapéu de lua fez febre em Viena.
Franz Lehár (1870-1948), que não compôs apenas "A Viúva Alegre", era regente e autor de óperas sérias. A coleção mostra a estréia em 1934 da ópera "Judith", de Lehár, com o tenor austríaco Richard Tauber (1891-1948) e da soprano russa Jarmila Novotna. Dois colibris românticos.
A atração mais excêntrica da coleção está no volume 12: a louca soprano tcheca Maria Joritza (188701985), que fazia gato e sapato nas óperas de Richard Strauss, com permissão do autor.
Joritza aparece no volume 17 em óperas de Wagner, como “Tannhaeuser” e “A Valquíria”, e de Richard Strauss, como “O Cavaleiro da Rosa” e “Salomé”, realizados entre 33 e 36.
Em “Salomé”, Jeritza exagera no que pode e não pode. A ponto de transformar a personagem de trágica para cômica. Na época, a orquestra reclamava. Mas Strauss retrucava: “Ela sabe o que faz”.
Strauss era considerado o mais displicente dos chefes. As dezenas de “salomés” gravadas por May que Strauss regeu comprovam a inexistência de critério. Ora soa divertida, ora nebulosa. É a prova de que nem sempre o autor apita na leitura das próprias obras.
Nesses saufrágios interpretativos, é engraçada a sobressalência do barítono Erich Kunz, 85, cuja voz resiste heroicamente como o quinto judeu de coro de “Salomé” na versão de 1941.
Não há termo de comparação entre esses registros e outros similares. As gravações ao vivo de ópera só se tornaram comuns a partir de 1945. Sobraram poucos e insuficientes registros feitos nos anos 30 no Covent Garden de Londres e de Bayreuth.
Os CDs da Ópera de Viena ainda guardam cascatas frescas de aplausos e erros. Os fãs de ópera vão repeti-los com prazer para sempre.
Coleção: Edition Wiener Staatsoper
Lançamento: Koch Schwann (24 volumes, 48 CDs)
Produção: Karl Albert
Quanto: 30 URVs (o CD, em média)
Onde: pedidos de assinaturas de toda a coleção podem ser feitos à Koch International (Hermann-Schmid Strasse, 10, D-80336, Munique, Alemanha); encomendas podem ser feitas à RKR (r. Apamás, 44, fax e tel. 011/240-2000, Moema, São Paulo)

Texto Anterior: CONHEÇA TÍTULOS JÁ LANÇADOS DA COLEÇÃO
Próximo Texto: Sentido da vida se esconde no âmago
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.