São Paulo, segunda-feira, 20 de junho de 1994
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"Literatura contemporânea evita os lugares perigosos", diz escritor

DA REPORTAGEM LOCAL

Ryszard Kapuscinski escreveu a maioria de seus livros no limite do perigo –arriscando a própria vida. Com isso, rompeu os limites dos gêneros literários, criando uma prosa forte cuja classificação ainda não é das mais claras.

Folha - Por que você não escreve mais sobre a Polônia?
Kapuscinski - Sou poeta também. Meus poemas são sobre a Polônia. Mas acho que a literatura deve ser ampliada. Toda a literatura ocidental do final do século 19 e início do século 20 foi muito etnocêntrica. O escritor brasileiro escreve sobre o Brasil; o chileno, sobre o Chile. A literatura hoje precisa levar em conta essa perspectiva global. Precisamos entender que não somos apenas uma aldeia, mas várias.
Folha - A literatura como conhecemos está morta?
Kapuscinski - Não. Acho que a literatura tem um grande papel na era da televisão, um novo papel. Se você pega as reportagens escritas na primeira metade do século, eram descrições dos lugares. Hoje, a televisão faz isso. O importante para a literatura –estou falando no caso da literatura de viagem– é fornecer o que a televisão não pode dar, o comentário, a explicação, a reflexão. Acredito numa espécie de "ensaização" da literatura, uma literatura ensaística.
Folha - Você diz que nunca encontrou escritores nos locais onde vai.
Kapuscinski - É o ponto fraco da literatura contemporânea: evitar os locais perigosos, onde as coisas estão acontecendo. A literatura contemporânea nem vê que isso é um problema.
Folha - Você acha que está criando um novo gênero e uma nova forma de literatura?
Kapuscinski - A separação tradicional entre ficção e não-ficção foi superada pelo mundo contemporâneo. Acredito cada vez mais numa estrutura de colagem, num "patchwork". É uma forma de tomar os diferentes elementos e gêneros para expressar da melhor maneira o que você quer dizer. Quando me sento para escrever, não penso: isso aqui vai ser um romance ou um conto ou uma reportagem ou um poema. Quando me perguntam o que estou escrevendo, digo sempre: um texto. No mundo pós-moderno, todos os gêneros tradicionais estão gastos. Precisamos achar uma nova combinação.
Folha - Você acha que essa literatura da experiência é a nova vanguarda?
Kapuscinski - Não sei se podemos falar nesses termos, porque "vanguarda" foi uma fenômeno histórico para descrever os acontecimentos que aconteceram nas artes na primeira metade do século 20. A noção de vanguarda é obsoleta. Por outro lado, as vanguardas sempre começaram como uma insatisfação em relação ao que havia, uma tentativa de encontrar uma nova forma de expressão. Nesse sentido, podemos falar em vanguarda.
Folha - Você cita Saint-Exupéry em "Imperium". Ele seria um modelo?
Kapuscinski - De certa forma. Ele fez literatura da própria experiência e de suas viagens. Viagem não como uma aventura turística, mas como uma forma de vida, uma forma de perceber e entender o mundo. Para mim, a viagem é um processo criativo.
Folha - Ouvi dizer que um editor americano está tentando convencê-lo a escrever uma biografia de Joseph Conrad.
Kapuscinski - É verdade. Conrad é um dos meus autores preferidos. Mas ele estava obcecado com um problema moral. Acho que estou tentando ver as coisas de um ângulo mais sociológico que psicológico.

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