São Paulo, terça-feira, 21 de junho de 1994
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Brasileiros desenham super-heróis dos EUA

ROGÉRIO DE CAMPOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

O gibi que mais vende nos EUA está nas mãos de um paulistano de 21 anos. Rogério Cruz foi recusado pelas grandes editoras brasileiras. Hoje, ocupa o posto mais prestigioso da HQ americana, desenhando o gibi "Uncanny X-Men". Sem sair do Butantã, na zona oeste de São Paulo.
Cruz não está sozinho. Silenciosamente, brasileiros estão tomando uma das principais instituições norte-americanas: os gibis de super-heróis.
Mulher-Maravilha, a primeira-dama dos quadrinhos, já está nas mãos de um paraibano, o desenhista Deodato Filho. Em João Pessoa, ele desenha as aventuras da heroína para a tradicional editora americana DC Comics.
A Liga da Justiça da América está sendo desenhada por outro brasileiro, Marcelo Campos. Outros personagens, como o Homem-Aranha, Hulk e Flash já passaram pelas mãos de brasileiros.
"Temos nove desenhistas fazendo trabalhos para a Marvel Comics (editora do Hulk, Capitão América e outros) e quatro trabalhando para a DC Comics (editora do Super-Homem, Batman e outros)", conta Dorival Vitor Lopes do estúdio Artecomix, que agencia estes desenhistas brasileiros.
Tudo está acontecendo de maneira muito discreta, até disfarçada com pseudônimos americanizados. Deodato assina Mike Deodato Jr.. Luke Ross, o novo desenhista do "Homem-Aranha 2099", é o paulistano Luciano Queirós.
Ravage, a última criação de Stan Lee (de Hulk, Homem-Aranha e Thor) está sendo desenhada por um tal de Joe Benet, pseudônimo de Benedito José Nascimento –conhecido como Bené–, que mora em Belém do Pará.
Ed Benes, que tem assinado HQs do Flash, Exterminador e GunFire, é na verdade Edilbenes Bezerra, que mora em um conjunto habitacional de Limoeiro do Norte, no interior do Ceará.
Ninguém quer dar bandeira que é brasileiro. "Existe preconceito contra latinos", conta Hélcio de Carvalho, também da Artecomix.
Se nos EUA, a Artecomix disfarça seus artistas de norte-americanos, aqui no Brasil foge de qualquer tipo de divulgação.
"Por favor, não faça muito oba-oba com essa história", pede Carvalho. E explica: "Se tiver divulgação meu telefone não pára".
"Ainda mais agora que o mercado brasileiro está assim... As revistas que davam oportunidade para os desenhistas novos pararam". "Estes desenhistas que estão trabalhando comigo têm anos e anos de estrada", conta Carvalho.
Deodato Filho, por exemplo, tem 31 anos e 17 de carreira como profissional. Seu pai, Deodato Borges, foi um pioneiro dos quadrinhos paraibanos, já no gênero super-heróis: em 63, lançou o gibi "As Aventuras do Flama".
Deodato começou como assistente do pai. Depois fez fanzines, HQs eróticas, terror e o que tivesse chance de publicar. Chegou até a publicar álbuns na Europa.
Além da Mulher-Maravilha, Deodato já desenhou o Flash, o Miracleman e quadrinizações de séries de TV como "Perdidos no Espaço" e "A Bela e a Fera".
Diz que desistiu de tentar publicar no Brasil. "Eu fico muito triste com isso, mas ninguém pode falar que não tentei".
Poucos editores brasileiros se interessaram em publicar seus quadrinhos e se interessaram menos ainda em pagar.
"Em geral os americanos me pagam 250 dólares por uma capa, 80 dólares por página de arte-final e 150 dólares quando faço o desenho e a arte-final. Aqui no Brasil eu só recebia 10 dólares por página, isso quando recebia".
O resultado é que finalmente Deodato pode viver tranquilamente de quadrinhos. "Agora estou vivendo só para isso. Não tenho feriado, nem fim de semana", ele conta. "Tenho que fazer uma página por dia e trabalho o dia inteiro para compensar minha lentidão".
Rogério Cruz, 23, diz que está vivendo um sonho de adolescente: desenhar para a Marvel. Além dos X-Men, ele desenha HQs do Motoqueiro Fantasma, Hulk e outros.
Cruz trabalhava na Abril Jovem, fazendo letras para os quadrinhos norte-americanos publicados pela editora. Desistiu para tentar se firmar como desenhista.
Tentou ser publicado na "Chiclete com Banana", não conseguiu. Fez HQs eróticas e teve histórias nas extintas revistas "Mil Perigos" e "Pau-Brasil".
A coisa estava difícil para Cruz, quando ele teve a chance de fazer o desenho de um gibi da Marvel, "Hyperkid", inspirado no universo do escritor inglês Clive Barker. Daí para o X-Men foi um pulo.
Em breve seus quadrinhos "americanos" estarão sendo publicados aqui no Brasil, e ele comemora: "Finalmente vou publicar pela Abril Jovem, à força".
"É um pouco como vingança, contra esses editores que fecharam as portas para nós", diz Luciano Queirós, 21. "`Homem-Aranha 2099' é uma série de sucesso e eles terão que publicar".
Apesar do sucesso com os super-heróis, Rogério Cruz confessa: "Como leitura, prefiro `Chiclete com Banana".

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