São Paulo, quarta-feira, 22 de junho de 1994
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Livro mostra relação entre cinema e nazismo

SERGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Entre as múltiplas atrações prometidas para o cinquentenário da derrocada nazista (o Dia D foi apenas o começo, ainda faltam 11 meses para o Dia V), figura um livro do crítico americano Anthony Slide, ainda inédito e sem título, sobre um tema explosivo: o namoro da indústria cinematográfica americana com o nazismo. Antes da guerra, evidentemente. Mas não muito antes.
Para se ter uma idéia do seu conteúdo, basta dizer que Errol Flynn, suposto agente do Terceiro Reich infiltrado em Hollywood, fará uma aparição discreta –até porque nunca se provou que o ator de fato espionava para Hitler. Gary Cooper, por exemplo, terá maior destaque. Quem mandou ele se expor tanto? Em 1939, Cooper visitou a Alemanha, onde o receberam como um correligionário. Oficialmente, fora rever o irmão de Hermann Goering (o fundador da Gestapo), de quem era grande amigo.
A desculpa talvez soasse menos esfarrapada se Cooper não tivesse ajudado a criar, quatro anos antes, um grupo paramilitar com a finalidade de defender a América contra "lutas, greves, enchentes, terremotos, guerras, invasores japoneses, revoluções comunistas etc."
Os "Hussardos de Hollywood" –era assim que os seus comandados (dele e do herói da Primeira Guerra Mundial, Arthur Guy Empey, autor da idéia) se chamavam. Pressionado por exibidores apreensivos com a coloração fascista do grupo, o ator deixou os seus paladinos na orfandade antes mesmo do primeiro aniversário da corporação.
"Não sou fascista, sou americanista", justificava-se o galã, sem se dar conta de que o patriotismo costuma ser o último refúgio dos canalhas.
Com idêntica justificativa, outro ator, o fordiano Victor McLaglen, organizou na mesma época um regimento, o California Light Horse Regiment, que chegou a ter unidades em três cidades californianas, em Nova York e Washington. Apesar de inglês, McLaglen revelou-se um defensor fanático dos "valores e ideais americanos". À frente dos seus milicianos, fez desfiles e comícios no melhor estilo fascista. "Parecia uma mistura de polícia montada do Canadá com Goering e Mussolini", comentou um jornal de Los Angeles.
Àquela altura, Cecil B. De Mille já havia lançado o filme "A Juventude Manda" (This Days and Age), no qual defendia às escancaras o saneamento da política americana, com base, se necessário, na violência, na tortura e no desrespeito à Constituição. Meses depois, uma comédia de Harold Lloyd, "The Cat's Paw", faria a mesma coisa.
Sim, o clima estava pesado. E os chefões dos grandes estúdios, apesar de judeus, faziam vista grossa para não prejudicar seus negócios na Alemanha e na Itália. Com planos para rodar três filmes na Itália, a partir do outono de 1936, o produtor Walter Wanger chegou a elogiar num discurso Benito Mussolini (achava-o maravilhoso, simples, franco, simpático e onisciente) e a criticar os americanos de "injustos em relação ao fascismo e à invasão da Etiópia pelos italianos".
Os projetos de Wanger não foram avante, mas, em setembro de 1937, por coincidência na mesma semana em que Hitler recepcionava Mussolini em Munique, o filho do "duce", Vittorio, era recebido como um príncipe em Hollywood. Convidado por Hal Roach, produtor das comédias do Gordo e o Magro, estrelou alguns banquetes, mas ficou menos tempo do que desejava, pois a Liga Antinazista e o Comitê dos Artistas de Cinema não o deixaram em paz. Roach ficou desolado. E mais ainda quando Vittorio desistiu de ser seu sócio na produtora RAM Pictures (RA de Roach e M de Mussolini).
Em novembro do ano seguinte, chegou a vez de Leni Riefenstahl. A propósito, até em Hollywood os alemães eram bem mais organizados que os italianos. Seu cônsul-geral em Los Angeles, George Gyssling, patrulhava pessoalmente todas as produções, a fim de evitar imagens e comentários negativos sobre o regime nazista. Não se impunha limites na hora de pressionar produtores e atores, ameaçando-os com boicotes e perseguições na Europa. Gyssling conseguiu protelar por três anos as filmagens de "The Road Back", uma espécie de continuação de "Sem Novidades no Front", cujo final, francamente antinazista, seria refeito pela Universal a seu pedido.
Mesmo adulterado, "The Road Back" teve sua exibição proibida no Brasil. Se em Hollywood os alemães às vezes davam as cartas, imagine aqui, com um "fuehrer" no palácio do Catete.

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