São Paulo, quinta-feira, 23 de junho de 1994
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Programa esotérico mostra ritos sagrados

Turistas participam de ritos de iniciação no lago Titicaca

CARLOS KAUFFMANN
DO ENVIADO ESPECIAL À BOLÍVIA

O misticismo paira no altiplano da Bolívia. Em primeiro lugar, a mais de 3.800 metros, sente-se uma proximidade física com o céu.
Os astros –sol, lua, planetas, estrelas– brilham sem nuances. Não há filtros, como nuvens ou poluição, que os impeçam de ser vistos com intensidade máxima.
A aproximação com a história dos povos que habitaram o altiplano há milênios é igualmente palpável. Templos de pedra, ídolos monolíticos e torres sepulcrais pontilham a região do lago Titicaca, o mar interior dos Andes.
O Titicaca era um lugar sagrado para os aimarás e incas. Segundo a lenda, o lago teria dado origem aos fundadores do império inca, Manco Capac e sua esposa Mama Ojilo. De quatro em quatro anos, o imperador inca saía de Cuzco e visitava o Titicaca para consultar oráculos e se purificar.
O antropólogo e sociólogo colombiano Roberto Sánchez, 44, diz que o Titicaca é um dos sete centros de energia da Terra –"junto com Egito, Babilônia, Índia, Tibete, China e México".
Sánchez trabalha como guia espiritual de grupos de "turismo esotérico", dirigindo ritos de iniciação e dando palestras.
"Não se pode mais falar em esoterismo, que originalmente servia a coisas secretas. Hoje os ritos são abertos", afirma Sánchez.
Antes de um almoço à maneira indígena na ilha lacustre de Intja, com milho, batatas, peixe e frango fritos e favas, Sánchez conduz o grupo em uma mentalização.
O propósito é criar um pensamento comum em prol da existência do planeta. Ele explica também ao grupo algumas noções da religião aimará, cuja figura principal de adoração é Pachamama, deusa que simboliza a Terra.
Depois da refeição visita-se de barco Kalauta, uma antiga necrópole onde se encontram restos dos "chullpares", torres de pedra com dois ou três níveis onde eram conservados "chullpas", cadáveres embalsamados mantidos por cordas em posição fetal.
O primeiro rito de iniciação acontece sobre uma pequena balsa decorada com flores sobre o lago. Chamado de "karpay", é uma espécie de bênção de Pachamama.
Sob uma música andina "new age" e odor de incenso, Sánchez faz movimentos circulares sobre cada pessoa do grupo segurando uma imagem que simboliza a deusa. No final, um abraço. Quando todos passam pelo rito, as flores são jogadas ao lago.
Ao entardecer, vem a cerimônia de fogo aos "apus", os deuses da montanha. No alto de uma delas, em que se avistam o Titicaca e a cordilheira, dedica-se ao deuses uma oferenda composta de alimentos, estatuetas de animais, velas e até um feto ressecado de lhama.
Numa bandeja, a dádiva é lançada na fogueira armada sob os olhares do grupo, de Sánchez e de um "kallawaya" (curandeiro aimará). Um por um, a seguir, joga aguardente no fogo pensando em um pedido. Se a labareda produzida for grande, é sinal de que os deuses ouviram a solicitação.
O mesmo "kallawaya" centraliza as atenções no final da visita que o grupo faz ao museu dedicado à medicina aimará, no hotel Inca Utama. Com o auxílio de um intérprete, o mestre responde a consultas sobre o futuro lançando folhas de coca sobre um pano onde repousa um crucifixo cristão.
Uma enquete informal feita com o grupo revelou que as previsões feitas pelo "kallawaya" foram quase todas positivas. Perguntado sobre quem ganhará a Copa do Mundo, ele disse que será o Brasil. É para conferir.

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