São Paulo, sexta-feira, 24 de junho de 1994
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O Brasil deve apenas passar por Camarões

ALBERTO HELENA JR.
EM LOS GATOS

Chico, meu velho:
Como soa estranho isso. Antigamente, meu velho não era meu velho, era meu chapa, amigo, essas coisas. Mas li num jornal já envelhecido que você acabou de fazer 50 anos. Meio século, cara. É tempo pra burro. Já passei por isso, mas nem senti. Garanto que não dói.
E você, metido a Pagão, então, tira de letra. Pagão, quem se lembra ainda dele? Sabe, velho Chico, quantas vezes Pagão jogou na seleção? Duas. E ele nem foi o centroavante fluido, quase meia, quase ponta, quase gênio, que, no Santos, abastecia o Pelé, que ainda nem existia, de bolas mágicas.
Velho Chico, por falar em lembranças, lembro-me daquele Brasil e Hungria, na Copa de 66, que começamos a ouvir pela rádio, na salinha-sótão da Record, na Consolação, e terminamos na sua casa, ali no Pacaembu. Pálido e silente como um turfista inglês, jogo acabado, você se foi reto em direção a um daqueles globos de luz do jardim de sua casa e despedaçou-o com um chute digno do Pagão. Dona Maria Amélia não perdoou, mas a raiva se foi como uma rolinha aflita do samba que curtíamos.
Pois, velho Chico, você aí em Paris, celebrando seu cinquentenário e eu aqui em Los Gatos, catando as bolas que sobram pelas laterais desta Copa tediosa, para tentar passá-las a você com a finura com que Pagão servia ao garoto Pelé.
O Brasil passou pela Rússia, sem sustos nem cintilações. Apenas passou, como um amanuense rigoroso que despacha seus papéis com os carimbos certos e as letrinhas bem caprichadas no papel branco, sem manchas ou rabiscos. Aliás, creio que assim será, até que peguemos pela proa uma Argentina ou uma Alemanha já mais entrosada. Mesmo assim, dá pra seguir adiante.
Hoje, pegamos Camarões. Já não são aqueles negros alegres e maravilhosos de Copas passadas. Desconfio que não resistirão à nossa aplicada tática de jogo. Sobretudo, porque temos o contraponto certo, Romário, um artista. Não diria um Chico Buarque, que está mais para um Pagão, inspiração e reflexão. Mas, quem sabe, um Nélson Cavaquinho? Pura intuição!
Sem mais, um forte abraço, um chute no cachorro e um beijo na empregada, como diria o nosso Pelé da Vila.

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