São Paulo, domingo, 26 de junho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Com ou sem teto, pobreza é a mesma

SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO

Os irmãos Cláudio, 11, e Felipe Araújo de Souza, 9, dividem com mais oito crianças e sete adultos um cômodo único de cortiço na favela da Rocinha (São Conrado, zona sul do Rio).
Apesar do teto oficial, Cláudio (Cacau) e Felipe (Buiu) vivem até em piores condições do que os menores de rua, ocupantes de vãos de viadutos, praças e calçadas protegidas por marquises.
Meninos de rua, os irmãos Roberto, 12, o Pio, e Felipe Francisco, 8, o Téo, andam por Ipanema e Copacabana (zona sul).
Para arranjar o que comer, eles já decoraram o roteiro das feiras-livres da área. De segunda-feira a sábado, em troca de gorjetas e produtos não-vendidos, eles ajudam a freguesia a carregar as sacolas de mercadorias.
Cacau e Buiu não conhecem os "sem-tetos" Pio e Téo. O censo demográfico feito pelo governo os agrupa em setores distintos. Cacau e Buiu têm casa e família, ao contrário de Pio e Téo.
O fato de ter uma casa –sem água, com luz clandestina e infiltrações nas quatro paredes– não colabora para amenizar as dificuldades do dia-a-dia dos irmãos favelados.
Cacau e Buiu dormem amontoados sobre outros irmãos, primos, tios, tias, mãe, pai e avó, parceiros do cômodo da Rocinha, tão pequeno que bastam apenas quatro passadas para se percorrer de um lado a outro.
Eles só arranjam o que comer porque prestam pequenos serviços para a Região Administrativa da Rocinha, uma espécie de subprefeitura.
Fazem entregas e vigiam "os ricos para os outros não roubar", conforme diz Buiu. A pedido do administrador-regional, Jorge Mamão, eles também acompanham visitantes que estejam interessados em conhecer a favela de perto. Como prêmio pelo trabalho, ganham pratos de comida.
Ao contrário do irmão, que há dois anos deixou de estudar, Buiu cursa a primeira série. Mas o colégio não o atrai. Ele acha que vai parar de ir à aula.
"Quando crescer quero trabalhar em birosca com a minha mãe", disse ele à Folha. Este sonho, hoje, é impossível. A mãe, Ludéia, 48, desempregada, afirma que nem pensa em um dia trabalhar em birosca.
Cacau quer ser fazendeiro. "Gosto de bicho, vaca, cavalo, papagaio", afirmou.
Pio e Téo têm planos pouco ousados. Téo quer ser motorista "para dirigir". Pio não escolheu uma profissão. "Quero ser trabalhador", disse.
As crianças de rua e as faveladas são vítimas das mesmas doenças, segundo a entidade governamental Criam (Centro de Recursos Integrados e Atendimento ao Menor) e a ONG (organização não-governamental) Centro Brasileiro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente.
As doenças de pele, as diarréias e a desnutrição constituem os principais males que atingem as crianças das ruas e das favelas.
A psicóloga Josana da Costa, do Centro Brasileiro, afirma que a escabiose (sarna) ataca todos eles.
"Estão sempre juntos, usam roupas e cobertas uns dos outros. São tratados, mas em pouco tempo de cura a sarna volta", disse ela.

Texto Anterior: OS CANDIDATOS E A INFÂNCIA
Próximo Texto: Violência mata mais entre os jovens
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.