São Paulo, domingo, 26 de junho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Pretensão e água benta

MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE

MARCOS CINTRA
Nossos deputados e senadores estão de parabéns. Em poucas semanas, encontraram soluções para dúvidas que há milênios angustiam os melhores cérebros da humanidade.
Os economistas não conseguiram –e provavelmente nunca conseguirão– chegar a conclusões convincentes acerca do que seja o "preço justo".
Para uns, o valor de uma mercadoria guarda estreita correspondência com seu custo de produção. Mas o custo nada mais é do que o valor dos insumos empregados na produção, uma circularidade lógica.
Para outros, valor é um conceito utilitarista, como demonstram com o exemplo do copo de água no deserto. É clara a dificuldade de se saber o preço "justo" de uma mercadoria.
Mas nossos representantes no Congresso aparentemente não se preocuparam com essas questões transcendentais.
Na recém-aprovada lei de proteção à concorrência contra abusos do poder econômico, afirmam conhecer o valor "justo" das mercadorias. Estabelecem punições rigorosas contra os agentes que aumentem "arbitrariamente" os lucros. Também consideram crime a elevação de preços "não justificada pelo comportamento dos custos..." ou "sem justa causa".
Além disso, ainda se gabam de serem capazes de julgar o nível de preços. O governo poderá exigir explicações e punir se "verificar" indícios de "preços excessivos".
A leitura desta lei revela uma evidente intenção policialesca de controlar preços.
Em outros países, para garantir que os preços sejam os mais baixos possíveis, a legislação busca garantir a concorrência. Pune rigorosamente a cartelização, a concentração da produção e o conluio de produtores contra os consumidores.
Mas não avoca o julgamento dos preços. Limita-se a impedir a conjugação das condições necessárias às práticas consideradas anti-sociais.
No Brasil, se faz o oposto. O governo permite condições concentradoras de mercado, como a formação de câmaras setoriais para discutir e fixar preços e lucros para todos os produtores de um dado setor. Em compensação, se diz capaz de julgar o efeito final –o preço "justo". Quanto Talento!

Texto Anterior: Plano vai definir tendência
Próximo Texto: Junho deve dar prejuízos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.