São Paulo, domingo, 26 de junho de 1994
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Aproveitemos o dia

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Foi uma sexta-feira gorda, em todos os sentidos. De madrugada, a polícia fez uma batida no morro do Alemão. Ignoro os resultados, mas fiquei impressionado com a decoração da principal via de acesso ao famoso reduto de traficantes. Há um concurso –não sei se promovido pela Riotur, pela Arquidiocese ou pela Campanha da Cidadania– que vai premiar o logradouro melhor decorado para a Copa do Mundo. A Rua Paisandu, tradicionalmente, é uma das mais cotadas. Em bairros da chamada classe média alta, rolou grana para enfeitar postes, árvores e fachadas. Mas o morro do Alemão não fez feio.
Provavelmente, foram os próprios traficanntes que financiaram a ornamentação. Na festa verde-amarelo, vale tudo e tudo é comovente. Por pior que sejamos, merecemos pelo menos um pouco de alegria e festa: governo, oposição, anões do orçamento, despossuídos e tubarões –tudo é Brasil.
Usamos o plural: vencemos. Não importa que tenha sido contra a seleção de Camarões –cujo futebol é bastante parecido com o nosso. Importa o hiato, o vácuo que se abre na alma nacional e de repente descobrimos que estamos todos no mesmo barco, dependendo de Romário, Bebeto e companhia.
Outra coisa: vi bandeiras americanas no meio da festa. Desde o final da 2ª Guerra Mundial que o pavilhão de listras e estrelas não tremula em glória sobre nossas cabeças. Para falar a verdade, é uma bandeira que nos anos difíceis que atravessamos volta e meia serve de principal combustível para manifestações cívicas e piromaníacas.
Acredito que estamos torcendo pela seleção americana como uma espécie de segunda opção. Fato raríssimo na crônica dos nossos dias: os Estados Unidos estão dando sorte e palco às nossas virtudes.
Falta muito, ainda, para o tetra. Mas é hora de aproveitarmos o conselho de Horácio: "Carpe diem". Aproveitemos o dia. E esqueçamos o restante do verão: "Quam minime credule postero". Não dou a tradução para não ser acusado de estragar a festa.

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