São Paulo, segunda-feira, 27 de junho de 1994
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Consolidação e atualidade das ZPEs

HELSON BRAGA

Desde que foi regulamentado, em julho do ano passado, e definitivamente assumido pelo governo do presidente Itamar Fanco, o Programa das Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs) vem sendo ativamente implementado pela maioria dos Estados detentores das 14 autorizações já concedidas. Vários deles estão programando o início das obras de infra-estrutura para este primeiro semestre, mobilizando recursos dos próprios governos estaduais e de seus parceiros privados.
Além de a implantação das ZPEs se haver constituído em programa de governo, dois outros fatores estão na base da retomada da confiança e do entusiasmo dos governos estaduais, depois de uma fase de tumulto e incerteza, que quase comprometeu a continuidade do programa.
O primeiro fator é a extensão das mudanças por que passaram o Brasil e o mundo desde os idos de 1988, quando adotamos a primeira legislação sobre ZPEs. De uma economia extremamente fechada, evoluímos para uma situação em que apenas tarifas, bastante rebaixadas, protegem atualmente a indústria. Passamos, pois, de um protecionismo exacerbado para um quadro surpreendentemente liberalizado para o padrâo brasileiro.
Isso nos permite, hoje, programar um evento impensável três ou quatro anos atrás, qual seja a realização de um seminário sobre ZPEs em colaboração com a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), quando este mecanismo poderá ser apresentado como ele realmente é: um instrumento indutor de investimentos e não uma ameaça à indústria nacional.
O segundo fator é a sustentação política obtida pelo programa, tanto no Congresso Nacional (onde ele foi votado a aprovado repetidas vezes nos últimos três anos) como nos Estados (onde as ZPEs se incluem entre os projetos de desenvolvimento mais importantes atualmente em implantação em vários deles), suficientemente forte para fazer abortar eventuais tentativas de boicote à sua implementação.
Trata-se, portanto, de um programa irreversível e consolidado, que tem tudo para se iscrever entre os bons acontecimentos no panorama econômico de 1994. Apesar disso, algumas vozes isoladas e desinformadas, que mal conseguem esconder preconceitos e viéses ideológicos arraigados, ainda teimam em ignorar esses fatos e em rotular de "anacrônico" o instrumento ZPE. Já é tempo de examinar, com seriedade, esta questão.
Embora a expressão "zona de processamento de exportação" tenha surgido somente nos anos 60, com a sua introdução pelos chineses de Taiwan, o conceito básico de "zona franca" tem mais de 2.000 anos e já era conhecido pelos fenícios gregos e romanos. Trata-se, portanto, de um conceito velho. Como também são velhos os conceitos de "escrita", "universidade", "democracia" e muitos outros, que a ninguém de bom senso ocorreria taxar de anacrônicos.
O mais provável, porém, é que aquela avaliação preconceituosa das ZPEs, decorra não de uma confusão semântica entre "velho" e "anacrônico", mas de uma leitura equivocada da experiência dos países asiáticos, especialmente a Coréia do Sul e Taiwan, que constituem os exemplos mais conhecidos.
Com efeito, aqueles dois países criaram, nos anos 60 e começo dos anos 70, duas ZPEs, o primeiro e três o segundo, e não julgaram conveniente expandir tais números. A luminosa interpretação daqueles analistas é que a experiência fracassou, uma vez que tanto a Coréia do Sul como Taiwan se desinteressaram de continuar criando ZPEs. Elas seria, portanto, neste início da década de 90, um instrumento "anacrônico".
A leitura correta, no entanto, é de que aqueles países, começando com as ZPEs, passaram utilizar políticas globais (válidas para todo o seu território) modernas e mais orientadas pelo mecanismo de mercdo e para as exportações, de forma que suas economias passaram a ficar, em seu conjunto, mais parecidas com o ambiente existente nas ZPEs.
Por isso, não houve mais necessidade de se criarem novas ZPEs, e essa é a melhor evidência de que aqueles países "deram certo". Eles evoluíram do conceito de "export processing zone" para o de "export processing country". Uma leitura mais atenta daquelas experiências certamente teria evitado a continuada repetição de um diagnóstico mal feito.
Muito pelo contrário, o que se pode constatar, a partir da crescente utilização das ZPEs nos anos mais recentes, é que se trata de um instrumento atual e moderno. Elas vêm sendo usadas cada vez mais, especialmente por aqueles países que, como o Brasil, vêm saindo de regimes fortemente intervencionistas e protecionistas.
A China comunista, por exemplo criou quatro "zonas econômicas especiais" em 1980 e, cinco anos mais tarde, estendeu parcialmente este regime para as 14 cidades da costa sudoeste ("cidades abertas do litoral"), além de estabelecer uma quinta zona econômica especial na ilha de Hainan.
Em 1985, o governo chinês decidiu ampliar o mecanismo para toda a costa leste do país ("zonas econômicas abertas do litoral"). Com isso, o litoral leste da China se converteu em uma imensa zona econômica aberta ao exterior, cobrindo uma superfície de 320 mil quilômetros quadrados e uma população de 160 milhões de habitantes.
Hoje, este sistema é considerado o principal fator responsável pela modernização da economia chinesa e pelas suas excepcionais taxas de crescimento, acima de 12% ao ano.
A Coréia do Norte aprovou, no ano passado, seguindo o modelo chinês, uma lei sobre "zonas francas econômicas e comerciais" e planeja estabelecer duas unidades nas províncias costeiras do mar do Japão. Também o Vietnã anunciou recentemente a intervenção de instalar duas ZPEs, uma perto de Saigon e outra na província de Tan Thuan.
Ainda na Ásia, o Japão criou, em 1992, as "foreign aces zones" para facilitar o acesso de empresas estrangeiras ao mercado japonês. Trata-se da aplicação do conceito de zona franca para apoiar a importação, em vez do objetivo convencional de estimuar a exportação. A lei previu o estabelecimento de 31 dessas zonas francas, sendo que dez para instalação imediata.
Na Europa, apesar de quase todos os países ocidentais possuírem zonas francas, o exemplo mais notável vem da parte oriental. Os 24 países que restaram do desmembramento da ex-União Soviética implantaram (ou estão implantando) 62 zonas francas, para criar empregos e ajudar na conversão de economias centralmente planificadas para economias de mercado.
Essa decisão foi, em grande parte, o resultado de uma conferência sobre zonas francas realizada em Moscou, em 1989, com a colaboração do Centro de Corporações Transnacionais das Nações Unidas.
No continente americano, cabe mencionar o caso dos Estados Unidos que operam, hoje, 184 "foreign trade zones" e 244 "subzones" (que garantem a firmas isoladas o mesmo regime oferecido pelas primeiras), quando eram apenas sete unidades em 1970.
No México, estão instaladas atualmente mais de 2.000 empresas "maquiladoras", que dão emprego a cerca de 500 mil pessoas e se constituem na segunda fonte de divisas do país, logo depois do petróleo. O programa foi criado em 1965, mas o número de empresas só cresceu substancialmente na década de 80.
Além dos exemplos destacados acima é possível relacionar os de vários outros paíes, inclusive na América do Sul, onde o emprego de ZPEs ou de mecanismos similares vem sendo amplamente utilizados, sobretudo nos últimos anos, sempre com os objetivos básicos de criar empregos, modernizar a economia e facilitar as operações de comércio exterior.
Estamos falando, portando, de um instrumento moderno e atual, facilmente constatável por quem frequentar com um pouco mais de assiduidade a literatura específica sobre o assunto.

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