São Paulo, segunda-feira, 27 de junho de 1994
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A casa cai quando se está no esplendor

ALBERTO HELENA JR.
ENVIADO ESPECIAL A LOS GATOS

Já vivemos os tempos do platinismo. Foi um período perturbador, entre os anos 30 e meados dos ano 50, quando tínhamos com o futebol argentino uma relação muito forte de ódio, amor, medo, idolatria.
Cada jogo era uma guerra, da qual saíamos invariavelmente humilhados e cada vez mais apaixonados por aquele jogo inteligente, cadenciado, objetivo, do célebre "toco y me voy".
Não havia um clube grande brasileiro que não buscasse dois ou três argentino até para dar aquele toque de classe e fibra ao seu futebol.
Depois, demos a volta por cima: enquanto eles sucumbiram à própria desorganização, ao orgulho decadente e à indisciplina, de enfiada, levantamos três títulos mundiais. E, mesmo quando já não mais conseguíamos repetir o feito, nos anos 70 e começo dos 80, uma coisa era certa: não perdíamos dos argentinos, com Maradona e tudo.
Se nos tempos românticos éramos cheios de firula e pouca objetividade e depois passamos a hamonizar técnica com combatividade, eles haviam feito um caminho inverso, com uma diferença fundamental: perderam a técnica, a leveza, a agudeza do estilo. Passaram a praticar um futebol feio, burocrático, plantado lá atrás, e saindo para o contragolpe só nos momentos certo, entre aspas. Assim, ficaram na fila, e assim deram a volta por cima. Basta lembrar-mos dois exemplos mais recentes: o jogo do Mundial de 90 e o da Copa américa no Equador. Em ambos, o Brasil dominou, perdeu um infinidade de gols e sucumbiu diante de uma única jogada certa dos argentinos.
Nesta Copa, nós adotamos o jogo da paciência, fechadinhos lá atrás, tocando a bola lentamente na linha de defesa, em forma de leque, à espera do momento do bote certo. E eles vieram cintilando, num franco 4-2-4, com Redondo, estupendo, no meio-campo, tendo ao lado Simeone, e um quarteto ofensivo arrasador –Caniggia, Balbo, Batistuta e Maradona. E mais: um Maradona enxuto, ágil, disposto, um verdadeiro milagre de recuperação física.
Nós seguimos jogando para o gasto e, modestamente, vamos passando sem sustos pelos nosso adversários. Eles brilham.
Eis por que, aqui entre nós, começo a desconfiar que estamos no limiar de um nova virada. Mas a casa cai quando se está no esplendor. E os argentinos estão em pleno esplendor.

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