São Paulo, terça-feira, 28 de junho de 1994
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Xuxa infantiliza adultos em novo programa

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Muita gente não sabe, mas faz um mês que a "rainha dos baixinhos" voltou a se exibir regularmente para o público brasileiro. "Xuxa Park" ocupa as manhãs de sábado da Rede Globo com uma proposta que não peca por falta de pretensão. Acumulando experiência internacional, a nova versão do "Xou da Xuxa" é dirigida não só às crianças, mas à família inteira. Resta saber se esse universalismo todo cola.
O "Xou da Xuxa" se destinava às crianças, mas atraía também pais e adolescentes por conta da sensualidade da apresentadora. Xuxa trouxe o programa de auditório à Chacrinha e Faustão para a garotada. Misturou a roleta e o calouro com a gincana. No seu jeito sensual sem mimos, que sugere rituais de alcova em cadeia nacional, sempre houve uma perversidade que desafiava a audiência.
Procurando coibir esse jogo, o juiz carioca proibiu alguns quadros lúdico-torturantes do novo programa. São os quadros mais valiosos da competição entre as equipes (agora, em versão pós-EUA, mistas) verde e azul. Trata-se da contagem de rãs em um aquário e da resistência às cócegas provocadas por uma cabra que lambe os pés e as mãos de uma pessoa amarrada.
No cenário da Xuxa, até um instrumento de tortura, usado nas alcovas das instituições de repressão, vira motivo de chacota. Liberadas para adultos, elas não fogem do espírito familiar do programa, mas perderam toda a força, talvez um sintoma do que esteja ocorrendo com o conjunto da Xuxolândia.
A abertura do programa já anuncia a pretensão generalizante. Entrevemos fragmentos do rosto da apresentadora, que nos olha nos olhos enquanto sua imagem passeia eletronicamente por entre cristais sob um fundo azul. São cristais que edificam um mundo encantado que vaga pelo espaço, protegido das coisas do mundo.
O show de auditório é intercalado com quadros gravados sem público, sempre centrados na apresentadora. Em "MalhaXão", Xuxa lidera uma sessão de aeróbica para mães, pais e filhos. Em "Agenda da Xuxa", o programa presta serviços variados. É ela a ligação entre o menu infantil adulto.
Em "Brincadeiras à Parte", a apresentadora infantiliza o artista convidado para um "talk show". Não param de acontecer falhas técnicas até que a apresentadora briga no ar com sua equipe, para constrangimento do convidado. Mas logo em seguida o segredo é revelado: tratava-se de uma brincadeira. E semana após semana a falta de graça é a mesma.
Neste primeiro mês de programa, pouca coisa mudou. Talvez o figurino. Das saias compridas e colares dourados da TV mexicana do começo, voltamos à velha micro do último sábado. Xuxa procura uma versão "família", compatível com seus 31 anos. Apostou nos adultos. Abriu o auditório aos "mais velhos". Procura prestar serviços e assistência social. Tornou-se entrevistadora. Promoveu um longo bloco musical.
Aceitou incluir adultos nas brincadeiras. Tudo isso sem abrir mão dos desenhos e dos baixinhos. Mas os adultos não se afligem com as rãs e resistem bem às cócegas da cabra chiquinha. Pouca emoção para um programa que se estrutura sobre o excesso. Presa de sua própria ambição generalizante, "Xuxa Park" talvez represente o esgotamento de uma fórmula.

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