São Paulo, quarta-feira, 29 de junho de 1994
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'A campanha é meu remédio'

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

O sociólogo Herbert de Souza poderia ser dividido em dois Betinhos. O que é hemofílico, tem o vírus da Aids e pesa 45 quilos. E que teria tudo para estar enterrado, como ele mesmo brinca.
O outro Betinho é o da luta por melhores condições de saúde e o da Ação da Cidadania, primeiro contra a fome, agora contra o desemprego. Este está cheio de vida e tem a agenda sempre lotada.
Na semana passada, em um só dia, ele atendeu um jornalista alemão, recebeu um grupo de indianos, participou de duas gravações de vídeo e recebeu um representante de Brasília.
Além da Abia, Betinho dirige o Ibase, Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas. "A campanha é o meu remédio", diz. "Só me lembro da Aids na hora de tomar os medicamentos."
Três vezes por dia, ele toma o Hivid, um retroviral semelhante ao AZT. Ao longo de quatro anos, mesmo sem nenhum sintoma da doença, Betinho tomou o AZT e medicação para a tuberculose. Os amigos fizeram uma espécie de caixa para bancar os remédios.
O altíssimo preço dos medicamentos e a precariedade dos serviços de saúde estão encurtando a vida dos soropositivos e doentes de Aids, diz. Mas ele acredita que o "que segura é a atitude diante da Aids".
"Se você se deprime ou desanima, ela vem. Se você está voltado para a vida, com ânimo para cima, a doença fica amarrada."
Os médicos de Betinho estimam que ele se infectou em uma transfusão há mais de dez anos. É que a partir de 85, nos locais onde foi atendido, o sangue das transfusões já era testado para o HIV.
Seus dois irmãos, o compositor Chico e o cartunista Henfil, também hemofílicos, morreram em consequência da Aids.
Betinho ainda necessita de sangue em eventuais crises, pequenas cirurgias ou extrações de dente, por exemplo. O único conselho médico é que evite o estresse e viagens prolongadas.
A alimentação é normal. Todos os dias, às 18h, como um ritual, ele abre uma garrafa de cerveja.
Suas atividades começam às 10h e terminam à noite. Os finais de semana "são sagrados". Foge com a mulher Maria Nakano e o filho Henrique, 12, para a casa de campo de Itatiaia, na serra da Mantiqueira, 150 km do Rio.
"É onde me escondo", diz. Na cidade e nas viagens, ele mesmo dirige seu Monza hidramático. Esporte que ele diz que pratica "apenas com os olhos". Ontem à tarde, como todo mundo, Betinho cancelou os compromissos.
"Tô achando que vai dar o tetra", ele diz. "É uma mistura de intuição e desejo." (AB)

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