São Paulo, quinta-feira, 30 de junho de 1994
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De Niro vai ao inferno em "Taxi Driver"

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Taxi Driver" não só é um dos filmes mais importantes dos anos 70, como é um dos que menos envelheceram desde então. Ao contrário: o progressivo enlouquecimento da América nas décadas seguintes, com seus psicopatas, justiceiros, "skinheads" e "serial killers", tornou-o ainda mais atual, para não dizer profético.
Toda essa história urbana recente está condensada na trajetória de Travis Bickle (De Niro), ex-combatente no Vietnã que ocupa suas noites de insônia dirigindo um táxi pelas ruas mais sujas e perigosas de Nova York. Pelos olhos de Travis, a cidade é uma espécie de Sodoma moderna, habitada pela pior escória da humanidade. "Há de vir uma chuva de verdade para lavar toda essa sujeira", diz ele.
O tom de profecia bíblica da frase condiz com a atmosfera geral do filme. Desde as primeiras imagens –um táxi emergindo lentamente de uma pavorosa nuvem de fumaça–, Travis surge como uma espécie de vingador das trevas, um avesso anjo exterminador. Como em quase todos os filmes do católico Scorsese –principalmente os escritos pelo protestante Paul Schrader, como este–, "Taxi Driver" conta a história de um homem que desce aos infernos e alcança depois a redenção.
Mas o mais admirável neste filme é que Travis Bickle pode ser tudo isso, mas não deixa de ser também um cretino atordoado e embrutecido por uma sociedade doente. Não tem nada a ver com a truculência heróica e triunfante dos justiceiros à Charles Bronson.
A tensão cresce à medida que as vias de fuga ao desespero de Travis vão se fechando uma a uma: o amor (a assessora o rejeita), a amizade (os colegas não compreendem sua angústia), a política (o candidato só quer usá-lo).
Quanto ao virtuosismo do diretor, note-se que, nas cenas de rua, a câmera está em todos os pontos possíveis do táxi, do retrovisor ao pára-choque, dependendo da necessidade narrativa ou dramática. O mundo é visto em movimento contínuo dessa jaula ambulante.
Há uma cena de absoluta adequação da imagem àquilo que se quer expressar. Em sua perturbação crescente, Travis está a ponto de saltar a fronteira entre o comportamento cotidiano e a fúria homicida. Esse limiar é expresso de maneira simples e poderosa: ele está assistindo a um melodrama rotineiro na TV; com a cadeira inclinada para trás, toca um pé no aparelho e o balança; o balanço torna-se aos poucos mais forte, até que a TV cai e se espatifa com um estrondo. Está dado o salto.
Este filme admirável marca ainda a estréia de Jodie Foster e a despedida do compositor Bernard Herrmann (1911-75), que fez a trilha mas não viu o filme pronto. Só o ex-colaborador de Welles e Hitchcock poderia compor uma música que passa da melancolia ao suspense com a mesma fluência que o cinema de Scorsese.
Mas a passagem ao vídeo de um filme como "Taxi Driver" deveria obedecer a cuidados básicos com a integridade da imagem e a qualidade das legendas. No primeiro aspecto, acertou-se ao telecinar a imagem integral do filme (o que explica as faixas pretas nas partes superior e inferior da tela).
Quanto às legendas, porém, deixou-se muito a desejar. Erros primários de tradução –como verter "marine" (fuzileiro naval) por "da Marinha"– somam-se à transcrição grotesca de nomes conhecidos. Assim, o poeta Walt Whitman virou "Walt Luttman" e o baterista Chick Webb, que se tornou "Tico Habb".

Vídeo: Taxi Driver (Motorista de Táxi)
Direção: Martin Scorsese
Elenco: Robert De Niro, Cybil Shepherd, Jodie Foster, Harvey Keitel
Lançamento: Tocantins/Concorde (tel. 011/857-7553)

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