São Paulo, quinta-feira, 30 de junho de 1994
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Maratona da arte tem roteiro alternativo

DO "TRAVEL/THE NEW YORK TIMES"

Anos atrás, alguns amigos da Canadian Broadscasting Corporation que produziam para a TV um noticiário de cinco minutos sobre artes mandaram fazer camisetas com uma reclamação estampada: "Tanta arte, tão pouco tempo". Uma camiseta dessas seria o traje perfeito para apreciar arte num fim-de-semana em Nova York.
Quando é preciso lidar com abundância em tempo limitado, algumas coisas são essenciais: sapatos confortáveis, um mapa do metrô, o mais recente número do "Art Now Gallery Guide" (publicado pela Art Now Inc., fácil de encontrar em galerias e museus), uma cruel capacidade de exclusão e um "plano de ataque".
Quando tenho tempo, entrego-me à arte começando com algo velho –isto é, com o "São Francisco no Deserto" de Giovanni Bellinina Frick Collection.
Começa a maratona
Mas o plano deste fim-de-semana, com horários de abertura e fechamento, localização e variedade dignos de malabaristas, pedia coisa diferente. Começaria por algo novo –o Museu do Brooklyn.
Tomei o metrô em Columbus Circle (linha 1 ou 9 até Times Square e, depois, linha 2 ou 3 virtualmente até a porta do museu). Uma espiada no gigantesco Beaux Arts encravado entre o Jardim Botânico do Brooklyn e o Prospect Park e tenho a sensação de que uma vida inteira de manhãs de sábado não será suficiente. Vou à coleção egípcia, na nova ala oeste.
Mergulho nas minúcias da vida egípcia –baixos-relevos de soldados amontoados, guardas em conversação animada; urnas funerárias, jóia, mobiliário. As legendas fornecem contextualização suficiente e as galerias se sucedem.
SoHo
Após uma rápida salada de galinha no café do museu, parto para o SoHo. Esteticamente já estou engasgada, mas o SoHo garante a perspectiva. Na confusão de Canal Street, ando por Greene, Wooster, West Broadway e Prince.
Há muita diversão, dos "Lampworks" antropomórficos e espirituosos de R. M. Fischer na Jayy Gorney (100 Greene Street) às pinturas decorativas de Ross Bleckner na Mary Boone (417 West Broadway Street) e aos papas debochados de George Condo na Pace (142 Greene Street).
Interessante é que as exposições que se prolongam mais obstinadamente mostram três instalações, feitas por mulheres.
Elas têm a violência como tema: "Lustmord", de Jenny Holzer, na Barbara Gladstone (99 Greene Street, tel. (212) 431-3334); "Not a Serial Killer", de Millie Wilson, sobre Aillen Wuornos, na José Freire (130 Prince Street, tel. (212) 941-8611); e "Try God", de Sarah Morris, na Nicole Klagsbrun (51 Greene Street, tel. (212) 925-5157).
Em meio à arte, admiro as roupas dos frequentadores de galerias (as variações possíveis em preto, preto e preto), a arquitetura do século 19, o rico teatro das ruas (incluído o pombo decididamente majestoso que errava pela galeria Mary Boone e a quem muito gentilmente mostraram a saída).
Algumas horas e mais de uma dúzia de galerias depois, refugio-me no T, um empório de café e chá sob a loja do Guggenheim Museum SoHo.
Mais revigorada, experimento o próprio Guggenheim SoHo, começando com a "Rolywholyver A Circus", de John Cage.
Essa congestionada exposição multimídia interativa, porém, é demais para alguém que já está encarando arte há sete horas.
Uma exposição de aquarelas de Kandinski no primeiro andar do Guggenheim é mais do que uma concessão mútua; as camadas finas de cor brilhante são reconfortantes; com prazer, caminho da evolução do período russo à geometria do período Bauhaus e à síntese dos anos parisienses.
Met, a próxima escala
Agora já são 18h e ganho novo fôlego. Vou de táxi até o Metropolitan Museum of Art (Met). Navego pelas coleções européia e asiática do século 19.
E avanço virtuosamente até uma nova exposição: "Impressionismo e Realismo Americanos: a Pintura da Vida Moderna, 1885-1915", que destaca as semelhanças entre duas escolas aparentemente opostas, é tudo o que uma exposição deve ser –instrutiva, levemente surpreendente, deliciosa.
Impelida pelas legendas inteligentes, conheço novos pintores, novas pinturas e, em novo contexto, velhos conhecidos como o arrojado "O sr. e a sra. I. N. Phelps Stokes", de John Singer Sargent.
Antes de sair, visito a ala americana e as pinturas que amo há 30 anos –as "trompe l'oeils" de Jefferson Chalfant e John F. Peto; o "Descanso" de John White Alexander; e, finalmente, duas pinturas de Sargeant, a sempre escândalos "Madame X (Madame Pierre Gavreau)" e a riqueza em verde maduro e branco das "Irmãs Wyndham".
Abençoando o Met por fechar tão tarde, deslizo pela porta às 14h45 e desço a Quinta Avenida até meu hotel, o Essex House.
Ele tem um restaurante elegante, Les Célébrités, decorado com pinturas de celebridades, mas todas as reservas para o fim-de-semana estão esgotadas. O que não é uma lástima, já que meus olhos precisam de um descanso.
Se em Nova York existe um lugar melhor para as manhãs de domingo do que o Cloisters, não o conheço. Esquivando-me dos ciclistas que se dirigem ao Central Park, parto de Columbus Circle, via trem A, à Idade Média.
Mais ou menos 40 minutos depois (uma viagem de metrô de meia hora até a rua 190, na ponta de Manhattan, mais uma caminhada de dez minutos pelo Fort Tkryon Park) estou em um mosteiro do século 12 circundado por capitéis; há até um sino tocando.
Diante dessa falsa construção medieval que incorpora parte de cinco mosteiros de verdade nos estilos romântico e gótico, fico imaginando o que os turistas franceses e alemães pensam dessa mistura de Novo e Velho Mundo.
Mas não há nada artificial na impressão que fica do Cloisters, que combina sem emendas elementos de cinco séculos e, ao mesmo tempo, abriga um tesouro em tapeçarias medievais (particularmente as sete Tapeçarias Unicórnio), vitrais, esculturas, pinturas e objetos cerimoniais.
O Cloisters tem quatro jardins, um dos quais feito só de plantas representadas nas Tapeçarias Unicórdio.
Outro, é um jardim com 250 espécies de ervas medievais. Ver o sol brilhando no rio Hudson entre cercas trançadas e plantas de nomes ancestrais como ísates, briônia, cerefólio anisado e agnocasto é certamente a melhor das perturbações culturais.
Depois do Cloisters, o museu lotado parece a Torre de Babel, mas na ala nova descubro algo que se aproxima da qualidade revigorante do museu medieval.
É uma sala bem pouco visitada dedicada a esculturas sem título de Donald Judd.
Suas formas geométricas secas –em bronze, plástico, cobre, alumínio– são estranhamente meditativas. Mas não há como escapar à premência do tempo, e então desço, parando apenas para dar o mais breve dos olhares aos laranjas e rosas da "Sala de Jantar no Jardim", de Bonnard, e ao "Violinista Verde" de Chagalll.
Tudo isso tem seu preço, e caminho um tanto indiferente, Quinta Avenida abaixo, até a Frick Collection. Obras-primas não têm a menor obrigação de ser confortáveis como um sapato velho, mas, de algum modo, a mansão nada ameaçadora de Henry Clay Frick e a excelência uniforme de suas escolhas conseguem esse resultado.
Retrato de mulher
Depois do "São Francisco no Deserto" de Bellini, com suas estranhas rochas e céu azul-escuro, as pinturas às quais volto são as que retratam mulheres –de Gainsborough, a adoravelmente caseira "Sarah, Lady Innes", e "A Senhora Elliot", uma beleza prematuramente grisalha com impudentes sobrancelhas negras; "A Condessa d'Haussonville" de Ingres, em vestido azul, e os três Vermeers ("Oficial e Menina Rindo", "Menina INterrompida em sua Música" e "Senhora e Criada").
Para despedida, tomo uma xícara de chá com uma porção de doces no Hotel Pierre, desviando meus olhos dos murais kitsch em pastel do Café Pierre.
Basta –pelo menos, foi o que pensei naquele momento, tentando me consolar por não ter tido tempo para o Whitney Museum, ou para o Museum of Modern Art.
Por outro lado, o Museu de Arte Folclórica Americana fica no caminho do aeroporto La Guardia, e que mal havia em olhar as cabanas rústicas e colchas malucas?
Deixo minha mala na recepção do museu e tenho o tempo exato de embarcar com "22 Belezas de Nova York: Colchas do Empire States" antes que o museu feche, às 19h30.

Tradução: LÚCIA BOLDRINI.

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