São Paulo, sexta-feira, 1 de julho de 1994
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A confusão desnecessária

JANIO DE FREITAS

Ao fim de 11 meses de preparação do plano, até a madrugada de ontem os planejadores governamentais ainda discutiam o teor da Medida Provisória que o presidente assinaria poucas horas depois, com as novas regras das relações econômicas. Entre os temas destas horas de afobação estavam coisas tão óbvias e de tão amplo interesse como os aluguéis. E até a própria legalidade das inovações.
Ao lado de suas características técnicas o Plano Real tem, sem dúvida, a marca registrada brasileira, tanto no improviso de última hora, como no descaso pela grande maioria, a maioria quase absoluta da população. Sobre este último aspecto, o deputado Delfim Netto mostra onde estariam localizadas a inteligência e o obrigatório zelo governamental pela população.
As aflições que quase todos vamos passar no dia a dia, com a confusão na passagem de uma para outra moeda, eram desnecessárias. A complicação seria evitada com a repetição, nada mais do que isso, de uma operação já feita várias vezes pelos brasileiros: o corte de três algarismos.
Ao fixar o real no tolo quebradinho de CR$ 2.750,00, dificultando ainda mais as conversões, a equipe econômica estabeleceu o seguinte:
R$ 1 (um real) é igual a US$ 1 e é igual a CR$ 2.750.
Como o objetivo é ter a moeda estável, e não forçosamente a moeda equiparada ao dólar, com um novo corte de três algarismos do cruzeiro real teríamos:
CR$ 2,75 são iguais a US$ 1. Ou então RS$ 2,75 são iguais a US$ 1. E pronto. Nada de conversão complicada. A partir de agora o dólar teria um valor fixo e, enquanto fosse assim, a moeda brasileira estaria estabilizada. Ou seja, o resultado seria exatamente o mesmo pretendido com a introdução complicada do real e não haveria, para a população, o enorme problema que as conversões vão causar.
Isto seria o inteligente e o respeitoso com a população.
O inadmissível
A explicação do senador José Paulo Bisol, ante a notícia de que propôs ao Orçamento alta verba para uma ponte que beneficiaria sua fazenda, é inconvincente e ainda mais comprometedora.
Seria possível resumir tudo a uma frase: é inadmissível que o vice de Lula, depois das denúncias e da combatividade com que tirou a CPI do Orçamento da mera farsa, apresentasse proposta de verba orçamentária, quanto mais fazê-lo com fins em que seria um dos beneficiados –segundo levantamento local feito para a Folha por Gustavo Krieger. Com sua pretensa explicação, porém, o senador exige mais do que uma frase.
Alega Bisol que apenas apresentou quatro propostas preparadas pela prefeitura do município mineiro de Buritis, suspeitando de "armação" para comprometê-lo ao constatar que o valor da ponte está superestimado.
A nenhum parlamentar, e muito menos a Bisol, é desculpável a apresentação de propostas de gastos sem avaliação e segurança completas do que está propondo. No caso em questão, a diferença entre os valores divulgados é de absurdas 35 vezes (dos US$ 240 mil do custo estimado da ponte para os US$ 8,4 milhões da proposta de verba). Diferença que, mesmo não se supondo vantagem pecuniária para o senador, torna indiscutível a irresponsabilidade com que foi apresentada a proposta.
O comentário de Lula da Silva não fica muito aquém da explicação de seu vice: "O senador Bisol não cometeu nenhum ato ilegal". Seria muito ilustrativo ver Lula da Silva demonstrar que é legal a apresentação de uma proposta de gasto superestimado 35 vezes. Mas, se fizesse este prodígio, não escaparia a uma verdade mais simples: o que não é ilegal não é, só por isso, necessariamente direito.
Justiça
As arbitragens fraudulentas no futebol fluminense –o popular "jogo roubado pelo juiz"– motivaram até confissões de envolvidos, mas o esquema que as montou não poderá ser investigado por CPI da Assembléia Legislativa. A maioria dos desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio deu ganho de causa ao recurso da federação fluminense contra a investigação.
Em Brasília, o Tribunal Regional Federal, por sua segunda turma, anulou a condenação de Rosane Collor a devolver os quase US$ 20 mil dos cofres públicos que gastou para festejar o aniversário de sua amiga Eunícia Guimarães. O tribunal aceitou a alegação de que era um encontro de colaboradoras da LBA. Na época, as reportagens sobre o aniversário estiveram em todos os órgãos de comunicação.
O país real
O real chega com o salário mínimo valendo R$ 64 e a cesta básica custando R$ 85.

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