São Paulo, sexta-feira, 1 de julho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Secretário pretende desafiar o público

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

O secretário de Cultura de São Paulo Ricardo Ohtake está gastando US$ 1,7 milhão para deixar o público de Campos do Jordão na situação desconfortável de ser desafiado em suas convicções.
Pelo menos é uma provocação gratuita. O público não pagará nada para assistir aos espetáculos, como todo ano. Segundo Ohtake, ele merece: "O importante é formá-lo. Vamos trazer à tona elementos a que ele não está acostumado, discutir novas tendências da música contemporânea e os rumos do século 20".
Serão sessões de experimentação eletrônica, "world music", regressão (a de Górecki se vale da tradição medieval; a de Meredith Monk, de elementos étnicos), música moderna, pós-moderna e pop.
O secretário acha que é uma guinada brusca em relação à política que vigorou no festival desde que começou, em 1970.
"Neste ano de jubileu de prata do evento, vamos renovar e criar um elo com o Festival de Música Nova, que ocorre em agosto."
Entre suas pretensões está reunir de 80 mil a 100 mil pessoas e bater o recorde de público. O dinheiro para o festival vem do orçamento da secretaria e de oito empresas estatais –Banespa, Nossa Caixa, Cesp, Comgás, Sabesp, Eletropaulo, Metrô e CPFL.
A empresa privada Souza Cruz colaborou com mais US$ 150 mil e bancou três atrações.
O dinheiro, segundo Ohtake, será quase todo gasto com transporte, estadia e alimentação dos artistas. "Apenas 10% é para os cachês dos artistas".
O orçamento aumentou em relação a 1993, quando o festival gastou US$ 1,2 milhão. O de 1992, na gestão de Adilson Monteiro Alves, chegou a US$ 2 milhões.
Comparado aos grandes festivais europeus de música erudita, o de Campos do Jordão tem orçamento modesto. O de Salzburgo, na Áustria, por exemplo, dispende US$ 50 milhões por ano e cobra ingressos ao preço médio de US$ 50.
"Com o dinheiro que temos nunca conseguiríamos convidar um Górecki ou trazer uma orquestra do porte da Sinfônica da Rádio Polonesa", diz Ohtake. "Eles vieram porque estão curiosos por conhecer o Brasil".
Ohtake conta que negociou cada cachê para não extrapolar as despesas.
Os convites aconteceram no ritmo da sorte desde 1993. Sua intenção primeira era trazer o compositor francês Pierre Boulez. Não conseguiu porque Boulez está com a agenda cheia este ano. Depois, tentou o italiano Luciano Berio. Nada feito. Ocupado.
"Ninguém imaginava que Górecki iria aceitar", orgulha-se. Para ele, o polonês será a principal atração. O CD com a "Sinfonia nº 3", de Górecki, pela London Sinfonietta e a soprano norte-americana Dawn Upshaw, vendeu 5 milhões de cópias em 1993 e atingiu o primeiro lugar na parada pop inglesa. Foi a primeira sinfonia a figurar nos "pop charts".
O apelo pop do evento já está causando reações. Ohtake diz que até o compositor e cantor baiano Caetano Veloso manifestou desejo de assistir ao show de Nusrat, nesta segunda-feira, em São Paulo. "Um monte de artistas vai querer ver os concertos", diz Ohtake.
O secretário espera a resposta do público. "Toda platéia de música erudita é tradicionalista", explica. "Em Campos do Jordão também. O público de lá é extremamente treinado em música do século 19. Se reagir é interessante porque mostrará que está vivo."
Caberá ao público decidir se a música de mercado é a que mais representa a produção deste século.

Texto Anterior: ENTRELINHAS
Próximo Texto: PROGRAMAÇÃO DO FESTIVAL
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.