São Paulo, domingo, 3 de julho de 1994 |
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A manipulação dos crédulos
LUÍS NASSIF Depois de dez anos de pacotes econômicos, de fracassos reiterados de planos autocráticos, de manipulações de economistas preocupados unicamente em agradar a seus chefes políticos, insistir que basta ter fé para o Plano Real ser bem sucedido é de cabo de esquadra.Em economia, ceticismo ou fé não se constituem em postura filosófica ou em estilo literário. Pode-se ser mais ou menos otimista, mais ou menos cético, mas sempre tomando-se por base a análise dos fatos, não formulações idealizadas da realidade. O plano Cruzado foi tratado com fervor evangélico pelo público –e com a frieza de bucaneiros por seus formuladores– até a véspera do seu estouro. No entanto, ruiu como um castelo de cartas mal ajambrado, porque esses economistas estavam empenhados em sacrificar o país para atender aos propósitos eleitorais de seus patrões. São os mesmos economistas que, hoje em dia, distribuem-se entre vários candidatos à Presidência, no PSDB, PMDB e PT, e também no governo, vendendo seus préstimos, a capacidade de criar ilusões e de desviar a atenção dos verdadeiros problemas do Estado. Nos tempos do Cruzado, tivesse havido a devida pressão pelas reformas que a economia necessitava, ter-se-ia prestado um imenso favor ao país, ao contrário da cumplicidade de aceitar qualquer bonde, apenas para manter-se afiado com as esperanças do povo. Oportunistas Esse Plano Real não é íntegro, é oportunista; não é racional, é eleitoreiro; não é plano, é mera troca de moeda. Seus autores aceitaram participar desse jogo de cena, abrindo mão do compromisso com as reformas, porque há muito a economia, neste país, deixou de ser ciência, para servir apenas à manipulação da opinião pública, com objetivos eleitorais. A geração dos grandes economistas dos anos 50 que, à esquerda e à direita, tinham como propósito construir um novo Brasil, foi substituída por grupos de pequenos ambiciosos, que fazem o que seu chefe mandar –seja ele Sarney, Itamar, Quércia ou FHC– apenas para preservar seus próprios interesses. Desde o primeiro dia em que se imaginou o plano, tanto os economistas de dentro, quanto os de fora do governo, tinham muito claro o que deveria ser feito para voltar a se conferir um mínimo de dignidade à política econômica. Portanto, não procede essa história de que ninguém apresentou nada melhor para o lugar do real. Libertação do Estado Também o PT de Lula e o PMDB de Quércia ajudaram a matar a revisão constitucional, pensando exclusivamente em suas respectivas candidaturas. No fundo, para todos eles, o país não passa de uma imensa ficção sociológica, cuja única utilidade é servir de álibi para a existência desses grupos políticos predadores. O ceticismo é estéril. Que os idealistas tratem de direcionar suas energias para o que de realmente novo está ocorrendo no Brasil. Esqueçam os salões de Brasília e de São Paulo, esse centralismo obtuso que subordinou historicamente o país aos interesses de grupos políticos, esses PHDs sem grandeza e patriotismo e voltem-se para a verdadeira luta. Que consiste em libertar o país de maquinações políticas, impedir que o Estado seja utilizado para propósitos pessoais, e se transforme definitivamente em instrumento de promoção social e de desenvolvimento econômico. Sejam mais constituinte exclusiva e menos Plano Real. Texto Anterior: As batalhas do real Próximo Texto: Mercado financeiro espera BC fixar juros para operar Índice |
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