São Paulo, domingo, 3 de julho de 1994
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Parreira acha que é um iluminista de jogging

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DA REVISTA DA FOLHA

Engana-se o técnico Carlos Alberto Parreira quando imagina que as cobranças a ele dirigidas pela imprensa e por torcedores podem ser desqualificadas simplesmente com o artifício de atribuir a seus críticos um romantismo nostálgico da "magia" e do "sonho".
Engana-se o técnico quando com empáfia, arrogância e cinismo autoproclama-se um racional em meio a irracionais.
Que nosso treinador é um animal racional, todos sabemos –esta, afinal, é a definição escolar do homo sapiens.
Mas a presunção do técnico de encarnar o heróico e incompreendido agente de uma mudança de mentalidade no futebol brasileiro, retirando-o do mundo do encantamento para levá-lo a um novo patamar –baseado, como ele diz, na "eficiência e na técnica"– é uma balela.
O óbvio mais do que ululante é que o futebol brasileiro já atingiu, se não na média, ao menos na elite, esse patamar. As duas vitórias continentais do São Paulo e as duas conquistas no Japão contra as mais temidas equipes européias, Barcelona e Milan, demonstram que o objetivo teórico de Parreira já foi conquistado na prática.
Críticos e torcedores sabem disso, viram isso com seus próprios olhos e gostaram. Ninguém vibrou com o São Paulo bicampeão por ser um time de "magia" ou de "sonho". Mas por ter-se mostrado um exemplo do que Parreira diz desejar na seleção: uma equipe veloz, solidária, moderna e objetiva.
A irritação de todos com o técnico está baseada, portanto, no fato cristalino de que há equipes e jogadores no futebol brasileiro que demonstraram nos últimos anos estarem preparados para executar o salto de qualidade de que ele tanto fala.
A impaciência de todos com o nosso enciclopedista de boné da Coca-Cola decorre dessa constatação empírica: o futebol jogado no Brasil é hoje mais eficiente e mais técnico do que o praticado pela seleção.
Parreira, que se diz um realista e um prático, é na verdade exemplo acabado do idealista. É um entusiasta não do futebol, mas do jogo da razão abstrata. Ao invés de partir do concreto (a experiência, o futebol que é jogado no país, os jogadores com suas características reais) para atingir um modelo adequado a seus princípios e objetivos, prefere partir de um modelo abstrato e idealizado para nele tentar enfiar a realidade.
Trata-se, portanto, o nosso técnico, de um despreparado para a práxis. Ele vai a pique é na passagem para a prática. Suas teses são corretas, sua execução é medíocre. Claro que mediocridades podem ser triunfantes, mas nunca deixarão de ser medíocres.
Não venha, portanto, Parreira, reduzir a discussão em torno de seu trabalho a uma esquemática oposição entre magia e razão, na qual caberia a ele o papel do iluminista de jogging. Todos queremos um futebol veloz, solidário, com marcação e eficiência.
Infelizmente, o que estamos vendo o Brasil fazer em campo é um simulacro desse futebol, uma caricatura daquilo que o time deve e pode ser.

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