São Paulo, domingo, 3 de julho de 1994
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As moedas de Qumran

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Insisto na questão das novas cédulas, que continuo achando mais grave do que a nova moeda. Acabo de ler "As Intrigas em Torno dos Manuscritos do Mar Morto", de Michael Baigent e Richard Leigh (Imago, 1994). Como é sabido, os rolos encontrados nas cavernas de Qumran, divulgados parcialmente até agora, trazem revelações que podem alterar o fato mais importante da história, ou seja, o momento em que a própria história foi dividida em antes e depois.
A parte literária, filosófica e teológica continua em aberto por um simples detalhe: saber a data precisa em que tais manuscritos foram escritos ou copiados. Para determinar esse pormenor que condiciona a importância do achado, os técnicos estão se baseando nas moedas encontradas nas proximidades das cavernas.
Vale dizer: no fundo, o que sobra de tudo são ossos e moedas. Pelos ossos e pelas moedas chega-se a um tempo, a um instante, a um fato. Ossos e moedas escrevem a história.
Pulando do mar Morto para o mar dos vivos que conhecemos, as moedas voltaram, embora nunca tenham deixado de existir. E, além das moedas, o chamado papel-moeda ganhou novo visual –que ontem comentei neste espaço. E ontem mesmo recebi do caixa eletrônico as primeiras notas garantidas pelo governo. Vi um sujeito, na TV, ser perguntado sobre o que achava do novo dinheiro. Depois de hesitar, olhando em torno a fim de ver se havia polícia ou fiscal perto, o cidadão confessou: "É. Estão dizendo que o novo dinheiro vale um dólar". Está tudo aí: estão dizendo.
Os franceses têm a expressão "on dit". Pode ser a voz do povo ou a voz de Deus. E pode ser o belo, o luminoso, o tradicional boato da maledicência ou da má informação. Achei as notas iguais àquelas de um jogo que andou em moda, chamado "Banco Imobiliário". A figura principal que tipifica a nova cédula parece ser o rosto de uma estátua representando não sei se a República, a Prosperidade, a Fecundidade ou a própria Inflação. Não tem olhos – o que é comum na estatuária grega. Em torno da boca há um traço de amargura, talvez de dor.
Como as moedas de Qumran, ela nos define e explica.

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