São Paulo, segunda-feira, 4 de julho de 1994
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Jovens não entendem plano econômico

GABRIEL BASTOS JUNIOR
DA REPORTAGEM LOCAL

Desde sexta-feira o Brasil está lidando com uma nova moeda. Quem hoje tem menos de 20 anos de idade sempre conviveu com a desvalorização e com as mudanças no dinheiro.
É uma geração inteira que não tem noção do valor dos produtos e para quem a moeda é apenas um instrumento de troca –não serve para guardar.
O real é a décima moeda na história do país e a sexta desde a década de 80.
A ciranda maior começou em 1986, com o Plano Cruzado. Em média, a moeda mudou a cada 20 meses desde então.
Em 1986, a moeda brasileira deixou de se chamar cruzeiro e passou para cruzado com um corte de três zeros.
O governo Sarney teve ainda os planos Bresser e Verão –este, em 1989, cortou mais três zeros e batizou a moeda de cruzado novo.
Em 1990 o Plano Collor não cortou zeros, mas a moeda voltou a ser cruzeiro. Por fim, Itamar Franco cortou mais três zeros e a moeda se tornou cruzeiro real.
Agora é a vez do Plano Real, com suas URVs e a nova moeda, o real. Desta vez, os zeros não foram cortados.
Geração perdida
Os teens de hoje muitas vezes nem se lembram de quando tudo começou. "De 1986 eu só lembro da Copa", diz Thiago Damião, 16.
Thiago acha que nestes primeiros dias a situação vai ficar meio confusa, mas garante que está entendendo tudo sobre o Plano Real.
"Vai ser igual aos outros –vão congelar os preços e cortar três zeros", diz, mostrando que na verdade não entendeu nada. Os preços não vão ser congelados e os cruzeiros reais precisam ser divididos por 2.750 na hora da conversão para reais.
Depois Thiago se lembra da URV e volta atrás na sua afirmação: "Não é nada disso".
Iraê Alves Santos, 17, é mais direta. Diz que não está entendendo direito o plano, mas acha que ninguém está –"Só os economistas entendem".
Como todos os jovens da sua geração, Iraê está acostumada a ver os planos fracassarem. Ela torce para dar certo, mas não chega a estar otimista porque, segundo ela, quem tem dinheiro não quer melhorar o país.
Casa de ferreiro...
Os filhos de economistas são assediados pelos amigos para explicar o plano econômico ou para contar algum "macete" ensinado pelos pais.
Diogo Coutinho, 19, diz que os colegas de faculdade e principalmente os pais de amigos mais próximos sempre perguntam o que seu pai –Luciano Coutinho, professor de pós-graduação em economia da Unicamp– acha dos planos.
"Às vezes fico chateado porque não sei o que responder. A verdade é que eu ainda não sentei para conversar com ele e saber direito o que meu pai acha do Plano Real", conta.
Outro que está acostumado com este tipo de assédio é Cristiano Braga, 19. Seu pai, José Carlos de Souza Braga, é diretor do Iesp (Instituto de Economia do Setor Público) e foi secretário Especial de Abastecimento e Preços do ministro da Fazenda Dilson Funaro na época do Plano Cruzado.
Ele diz que passou a conversar ainda mais com seu pai desde a chegada da URV, tirando dúvidas "aqui e ali".
Cristiano diz que seus amigos respeitam muito a opinião do pai –"Quando digo que ele falou alguma coisa todo mundo pára para ouvir", conta.
Outro lado
O pai de Cristiano, José Carlos, 46, diz que tentou explicar para o filho que o sucesso do plano não depende apenas do lado técnico e das mudanças que ocorreram na última semana.
Ele não está muito otimista com o plano e teme que ele acabe se tornando apenas um instrumento eleitoral, sem possibilidades reais de sucesso.
"O próximo governo terá que promover reformas profundas com relação a crescimento econômico, aumento da produtividade, distribuição de renda etc. Sem isso o plano vai fracassar como todos os outros."

LEIA MAIS sobre a geração sem moeda à página 6-3.

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