São Paulo, quarta-feira, 6 de julho de 1994
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Governo zonzo

JANIO DE FREITAS

Os preços continuam subindo. A cesta básica, tomando-se o mais importante para a grande maioria da população, recebeu o real custando R$ 103,00, encerrou o primeiro dia da nova moeda custando R$ 106,00 e no segundo dia útil do real, anteontem, já estava em R$ 108,00. Subiu cinco pontos percentuais em dois dias úteis. Mas a fronteira entre a intenção governamental de anular aumentos e a prática de arbitrariedades é muito estreita.
Como respondeu o chefe de uma equipe de fiscais da Sunab, que acabava de encontrar aumentos de mais de 50% em um supermercado do Rio, mas enfrentava a exaltação de fregueses com provas de outros e maiores aumentos, os preços continuam liberados. Não lhe cabia melhor providência do que anotar os aumentos e encaminhá-los para a eventualidade de um pedido de explicações ao supermercado.
Aí está a contradição em que o governo se debate: precisa impedir que os preços condenem o real ao destino inflacionário e, pregoeiro da liberdade dos preços, não pode reprimir os aumentos, a não ser que por tão exagerados sejam qualificáveis como abusivos. O palavrório de ameaças esbarra na realidade de que os aumentos pós-real não são ilegais a priori, porque o governo estabeleceu um procedimento de conversão do cruzeiro real para o real, mas esta Medida Provisória nada contém que os fixe no valor da conversão.
A impotência meio desesperada do governo sobressai nas suas hipóteses de ação. Ora são ameaças com leis que não se aplicam aos casos em questão, de repente outra voz ameaça com a represália da fiscalização de Imposto de Renda e Previdência, sabendo todos que não há fiscais para isso. Ou é a ameaça de tabelamento apenas do pão, o que leva a perguntar se tabelamento não é ruim, como tem sustentado o governo liberatório, ou se é bom só para o pão. Além de contraditória, a hipótese levaria os comerciantes a buscar a compensação em outros produtos, com mais aumentos disseminados.
O método mais interessante, porém, foi mencionado pelo próprio ministro Rubens Ricupero. E já teria sido acenado por ele aos dez setores mais dominados por oligopólios, com os quais disse estar negociando. O método é a redução do IPI e do imposto de importação de matérias-primas utilizadas por aqueles oligopólios. Sacrifica-se mais o cofre do governo, reduzindo-lhe a arrecadação, em benefício dos oligopólios há tão pouco ameaçados com cadeia pelos aumentos bárbaros que antecederam o real.
Na sexta-feira mesma da implantação do real, a equipe econômica reviu sua estimativa para a inflação de julho. A simples consulta aos preços de 19 produtos em supermercados de Brasília, naquele dia, levou a alterar em mais de 37% os valores atribuídos, na montagem da estimativa, aos itens examinados. O que fez a equipe subir de 4% para 5,5% sua estimativa da inflação deste mês. E, ressalte-se, só foram verificados 19 produtos e só nas primeiras 12 horas do real.
Como e por que a equipe econômica foi surpreendida, a ponto de estar zonza, é um mistério. Coisa, talvez, decorrente da incapacidade dos economistas de perceber as realidades que não se reduzam a fórmulas. E que são o próprio Brasil.

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