São Paulo, quinta-feira, 7 de julho de 1994
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Crowd merreca

CARLOS SARLI

Como se sabe, no Brasil existe uma formidável questão agrária. de um lado, milhões de pessoas, camponeses miseráveis, esfaimados –os sem-terra. De outro, alguns milhares de privilegiados latifundiários. O conflito está armado e o desfecho virá por bem ou por mal, mais cedo ou mais tarde. Mauriciões e petistas, a confusão está armada.
Acontece que, do mesmo jeito que existem os sem-terra, existem os "sem-mar". Nas praias –Maresias, Pitangueiras, Joaquina, Arpoador...– se concentra nos dias de gala para o surfe o crowd (uma multidão de surfistas, bodyboarders, jacarés...), que um dia já foi uma galera amistosa e cordial, mas há algum tempo vem se transformando em pretensos proprietários das ondas.
Arrogantes e agressivos, se imaginam pequenos Netunos com certificado de propriedade dos mares e das praias. Grosseiros e incapazes de dividir e compartilhar o solo, a natureza, a energia coreográfica dos corpos, se transformam em pequenos fascistas com ódio dos "imigrantes", aqueles que se atrevem a vir gozar os benefícios do esporte e das aventuras.
Eta, povinho pequeno! Não tem os horizontes libertários que sempre caracterizou o surfe. Não conhecem as regras de cavalheirismo. A vontade que tenho é de lançar-lhes uma maldição: que sejam condenados a beber água salgada pelo resto de suas vidas medíocres; que casem com mulheres gordas e mais tarde, cuspindo cerveja na areia, digam a seus herdeiros: "Desta água não beberei".
Esta coluna é resultado de duas histórias que ouvi.
Marcelo, habitual frequentador das ondas do Guarujá, aproveitou um dos muitos feriados prolongados do primeiro semestre e foi tentar a sorte em Ubatuba. Se deu mal. Caiu no canto em Itamambuca e teve que sair da água para não apanhar. Não é nenhum prego. Talvez tenha sido por isso mesmo.
Em contraste, Ricardo, "local" de Maresias, tirou um final de semana no Rio. Arriscou um fim de tarde no Quebra-Mar, um dos picos mais "políticos" da cidade maravilhosa. Acabou surfando ondas perfeitas sozinho. Voltou dizendo que os US$ 280 da ponte aérea nunca tinham valido tanto a pena.
A polêmica do crowd é um assunto antigo mas que continua rendendo.

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