São Paulo, quinta-feira, 7 de julho de 1994
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Ficção cria realidade em 'Olivier'

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Olivier é um menino de 9 anos, mimado pela mãe até onde é possível, que vive em uma pequena cidade do interior da França. Um dia, vai levar comida para a avó. No caminho, desaparece. A família e a polícia o procuram, inutilmente. Seis anos mais tarde, Olivier reaparece.
A idéia central de "Olivier, Olivier" não fica longe, portanto, de "Le Retour de Martin Guerre" (O Retorno de Martin Guerre), filme de 1982 baseado em fato histórico e também retomado no norte-americano "Summersby - O Retorno de um Estranho".
Mesmo a dúvida central é retomada: seria o Olivier que reaparece o mesmo que desapareceu? Para começar, existe aí a diferença que separa a infância da adolescência, uma criança de um quase adulto.
Em seguida, existe o desejo dos envolvidos (do policial que acompanhou o caso desde o início até a mãe) de reencontrar o garoto. Esse desejo é o centro das atenções do filme, que leva a fazer do jovem Olivier uma ficção.
O interesse pelo assunto, da diretora polonesa Agnieska Holland (ex-roteirista de Wajda, o monstro do cinema da Polônia), também é abordado no seu "Os Filhos da Guerra".
Ali, um judeu era identificado como alemão durante a Segunda Guerra, em plena Alemanha. A troca de identidade é um assunto caro a ela, e nesse sentido "Os Filhos da Guerra" esclarece bem seu pensamento: é como se afirmasse que a distinção entre judeus e não-judeus, em pleno nazismo, não passa de uma construção arbitrária.
Qualquer homem pode ser qualquer coisa, pois é produto de imaginação: judeu é apenas quem é designado como judeu. Olivier é quem você chama de Olivier. O real é produto do imaginário. Estamos, como se vê, no limite do cinema fantástico.
O maior mérito de Holland, nesse quadro, é trabalhar com eficácia a ambiguidade que o espectador deve sentir ao longo do filme. É bastante ajudada pelo seu jovem protagonista, bem-dirigido e capaz de transmitir essa sensação permanente de instabilidade ao personagem.
Holland não é exatamente uma inovadora, mas trabalha com dignidade no quadro de um cinema convencional. Pode-se dizer que há mais vida ali do que na maior parte do cinema francês.
O maior problema vem do roteiro. Ele induz o espectador ao erro em dois ou três momentos-chave, que falseiam toda a percepção que se pode ter do personagem de Olivier, do segundo Olivier. Até descobrir isso, porém, o espectador já chegou ao fim do filme, ou quase; a narrativa fluiu sem trancos. De todo modo, existe aí uma espécie de trapaça, e não dá para passar batido por ela.

Vídeo: Olivier, Olivier
Direção: Agnieska Holland
Elenco: François Cluzet, Jean-François Stevenin, Brigitte Rouan
Distribuição: Europa Home Video (tel. 011/579-6522)

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