São Paulo, quinta-feira, 7 de julho de 1994
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Poema ou teorema

OTAVIO FRIAS FILHO

Se a polarização entre Lula e Fernando Henrique de fato se fixar, como parece provável, a eleição será o encontro de duas marés opostas, uma de origem doméstica, outra de origem internacional.
A maré interna é a revanche histórica, secular, que uma vitória de Lula expressaria. Por maior que seja a vocação de sua candidatura para ser "domesticada", o simbolismo de um excluído ocupando o cargo que foi de Pedro 2º e de Getúlio Vargas equivale a um vendaval.
As relações sociais por um momento entrarão em crise. A expectativa de justiça, longamente frustrada, deverá eclodir com toda a virulência. Como trombeteia o incrível poema que Haroldo de Campos fez para o candidato: "quem quer terra/ vai ter terra/ quem tem fome/ vai ter pão".
Infelizmente poemas não movem montanhas e nada indica que ao se explicitarem as expectativas se realizem. Mas devem ao menos gerar algum susto e uma pressão redistributiva, a ser paga em termos de mais atraso na adaptação do país ao cenário externo.
As exigências dessa adequação internacional estão cristalizadas, pelo contrário, em FHC. Não foi só por oportunismo, mas por coerência que os tucanos fizeram o possível para aderir ao governo Collor e agora se aliam ao PFL. Aqui como em toda parte, faz tempo que os social-democratas viraram neoliberais.
E as evidências internacionais são de fato arrasadoras. Nos países do Norte, no Extremo Oriente, no Leste Europeu, na América Latina, em todo lugar do mundo onde houver governo a fórmula é uma só: desregulamentar e privatizar.
A derrota do bloco comunista e a revolução da informática centuplicaram as energias do capitalismo. A idéia é a de que quanto maior a competição, menores os custos e melhor a eficiência. Para um país miserável como o nosso, a escolha é trágica: repelir o consenso internacional e definhar na ineficiência ou aceitá-lo e condenar a população mais pobre a uma alienação cada vez mais abissal.
Nenhuma das candidaturas passa pelo teste negativo, pela prova daquilo que não poderão evitar. Nem FHC consegue demonstrar que a inclusão internacional do Brasil não vai produzir mais exclusão social, nem Lula convence que a inclusão social não terá por consequência nossa exclusão como país.
Claro que nada é branco ou preto. É comum que candidatos se elejam com base num programa diferente, muitas vezes oposto àquele que acabam adotando no poder. Não seria surpresa se um eventual governo FHC fosse acometido de surtos periódicos de populismo, nem que Lula terminasse por consolidar a inserção internacional esboçada na fase Collor.
Como todos nós, os governantes não passam de marionetes das suas próprias conveniências.

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