São Paulo, sábado, 9 de julho de 1994
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Por que Lula merece elogios

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – Suspeito que não exista negócio igual em qualquer parte do mundo: uma funerária especializada apenas na fabricação de caixões de criança. Para completar o ambiente de filme de terror, entre os trabalhadores da funerária estão crianças de 14, 11, 10 e até 8 anos de idade.
O repórter Ari Cipola, da Folha, visitou Teotônio Vilela, interior de Alagoas, compreendendo por que tal investimento. Lá, de cada três crianças que nasceram neste ano uma morreu.
O sentimento mais forte é de indiferença. E não apenas das elites das regiões mais ricas, mas também nordestinas. Suponha-se que, num único dia, morresse um terço das crianças que nasceram nas maternidades do Rio e São Paulo. Previsível: haveria uma gigantesca comoção.
Tenho feito aqui críticas ao PT, mas num ponto a candidatura Lula merece elogios: está ajudando a colocar seriamente a agenda social em lugar de destaque nos debates da sucessão. Foi o único candidato que comentou a tendência de aumento da mortalidade infantil no Nordeste, constatada em detalhada pesquisa da Igreja Católica.
Lula pode não ganhar essa eleição –e, diga-se, está cada vez mais difícil. Mas já está provocando um fato positivo: força que os demais candidatos, particularmente Fernando Henrique Cardoso, também assumam compromissos de lançar programas de emergência contra a miséria.
A verdade é que FHC se aliou com políticos que não apenas conviveram pacificamente com municípios do tipo Teotônio Vilela, mas ajudaram a produzi-los. Mais: de olho em votos, exploraram a indústria da miséria.
Seja qual for o eleito, nenhum deles conseguirá estabilizar a democracia caso não se tome uma atitude imediata: lançar um plano decente para melhorar num prazo curto os níveis de educação básica e saúde.
Nações muito mais pobres apresentam qualidade de vida várias vezes melhor do que a brasileira. Bastou mais vontade do que dinheiro.
PS – A propósito, Fernando Henrique Cardoso, em contato com esta coluna, assumiu o seguinte compromisso, caso eleito: seus ministros da Educação e Saúde serão escolhidos sem "nenhuma" negociação partidária. Veremos.

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