São Paulo, domingo, 10 de julho de 1994
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"A Sistina virou arte-pop"

PAOLO CONTI
DO "CORRIERE DELLA SERA"

"A Sistina virou arte pop"
O professor americano James Beck diz que a restauração da capela parece obra de Roy Lichtenstein
"Não é mais o Cristo de Michelangelo, parece arte pop. Poderia ser uma obra de Roy Lichtenstein. Eu a vi de perto, antes que a tocassem. Era perfeita". Entra em cena, em Nova York, o professor James Beck, docente de história da arte do Renascimento na Universidade de Columbia (EUA).
Na metade dos anos 80, ele animou furiosas campanhas contra as restaurações da Capela Sistina, no Vaticano. Agora, parte ao ataque do "novo" Juízo Final, no qual trabalhou a equipe de Fabrizio Mancinelli, durante cinco anos.
O homem-chave foi, porém, Gianluigi Colalucci, chefe dos restauradores do laboratório. E é a ele que Beck lança o desafio: "Organizemos um confronto público em Roma, diante das imagens".

Pergunta - O que o sr. achou do resultado da restauração?
Resposta - Presentearam-nos com uma enorme reprodução do Juízo, moderna e brilhante. Mas o original não existe mais. A superfície foi alterada, muitas modelagens foram modificadas, mudou a cor... Os restauradores não compreenderam os resultados e confessaram o seu estupor. Na minha opinião, estão preocupadíssimos.
Pergunta - O sr. tem provas?
Resposta - Os meus olhos e os de todos: um Michelangelo sem o seu arredondamento, e a sua grandeza, muito diferente dos desenhos preparatórios da obra. Numa só palavra: um desastre. Sabe o que disse o diretor do Museu do Prado, de Madri? "É um lifting patético, uma restauração da moda".
Não estou sozinho. Nem estão sozinhas as mil pessoas que aderiram à minha associação ARTWatch International, entre os quais está o pintor Jasper Johns. Entre os 150 italianos, foram inscritos o filósofo Gianni Vattimo e historiadores da arte como Carlo Pedretti, Alessandro Parronchi e Dario Trento. Também o grande Balthus é hostil à restauração, mas faz parte de uma outra associação. Não sou um louco solitário.
Pergunta - O que pode ter acontecido?
Resposta - Muito simples. Desapareceram os retoques, provavelmente em grande parte negros, passados a seco ou a meio-seco no afresco por Michelangelo na conclusão de seu trabalho.
Antes, esquematicamente dizendo, havia três tons: luz, meia-luz e escuro. Agora, estão reduzidos a dois: meias-luzes e grandes luzes. Por isso, os volumes foram apagados. Voltemos à figura de Cristo: desapareceu a sua monumentalidade. Antes, parecia uma escultura de verdade, agora são visíveis manchas de gordura nunca vistas. O Cristo, em suma, "encolheu". Até mesmo o perfil, tornado doce por Michelangelo, tornou-se duríssimo. Parece, insisto, arte pop.
Pergunta - Durante a conferência de apresentação da restauração, tanto o professor Carlo Pietrangeli, diretor geral da Museu do Vaticano, quanto Gianluigi Colalucci insistiram num ponto: a intervenção foi leve. Citemos textualmente: "Lavagem preliminar só com água não ionizada e tratamento com uma solução de água e amônio carbonado em 25%, alternado em uma fase com diluente nitro".
Resposta - O diluente nitro seguramente alterou o equilíbrio, é um solvente comercial. Pode, portanto, ter tirado a cor.
Pergunta - O sr. afirma que estas substâncias podem ter alterado também os famosos "lápis-lazúli" que tornam tão esplendoroso aquele céu?
Resposta - Não tenho dúvidas.
Pergunta - Colalucce declarou numa entrevista: Beck veio, visitou tudo e até me deu os parabéns. Depois, voltou para a América para alimentar falsas polêmicas. É um homem desleal e um diletante que se esconde atrás de uma linguagem pseudocientífica".
Resposta - A verdade é outra. Colalucci foi gentil, me mostrou a restauração. E me pediu para que não suscitasse polêmicas antes de uma apresentação pública da equipe do Vaticano. Dei-lhe a minha palavra de honra. A apresentação aconteceu e agora posso falar.
Pergunta - Num artigo no "Sunday Telegraph", Harriet Patterson diz que os restauradores britânicos invejam Colalucci porque a "operação Juízo", no fundo, é "muito simples".
Resposta - Mas os restauradores ingleses são os piores do mundo! Todos sabemos que na Nacional Gallery estragaram Paolo Uccello e Bronzino... Eles não têm experiência em afrescos antigos, pelo simples fato de que lá, na Grã-Bretanha, eles não existem.
Pergunta - Qual é, concluindo, o erro fundamental para o sr.?
Resposta - Primeiro era preciso estabelecer, com certeza, a absoluta necessidade da intervenção. Não digo que não era indispensável, mas pergunto: quem provou que era? Michelangelo pertence ao mundo, não somente a quem o restaurou. Repito o meu convite: vamos nos encontrar e discutir. Façamos em nome de Giulio Carlo Argan, que um ano antes de morrer havia aceito dirigir uma mesa redonda pública sobre a "nova" Capela Sistina. Façamos isso ao menos por ele. E para o mundo.

Tradução de ANASTASIA CAMPANERUT

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