São Paulo, segunda-feira, 11 de julho de 1994
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"Fera Ferida" inova com galã impotente e solteirona liberada

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Fera Ferida" termina esta semana com certos feitos incomuns. A novela lançou moda. Mas o sucesso de figurino nada teve a ver com o espalhafato de Rubra "Porcina" Rosa (Suzana Vieira).
Desta vez o sucesso é da moda masculina. O público gostou dos trajes discretos do protagonista Raimundo Flamel (Edson Celulari). E camisas sem gola para homens inundam um mercado disposto a adotar sugestões menos viris dos heróis das novelas.
Não usual também é o tratamento dado à impotência sexual. O romance entre a solteirona Ilka (Cássia Kiss) e Ataliba (Paulo Gorgulho) cresceu em importância e sutileza (infelizmente, o mesmo não aconteceu com a tentativa de aprofundar o tratamento da questão racial).
Ilka submete o ex-jogador de futebol à ação culinário-erótica- carinhosa de uma virgem atípica que embora sonhe com o altar, vai à luta. Movido pela insistência dela, ele termina dessacralizando seu "problema" chegando a pronunciar em cadeia nacional a palavra proibida.
Ataliba se propõe agora a ajudar a amiga-namorada-curandeira a enfrentar seu problema de impotência. Mas só em sonho ele toma a iniciativa de vencer a resistência decidida do tipo "só casando" da mulher.
Movida pelo prazer vivenciado pela fantasia de um strip dele –mais uma exibição do corpo masculino em cadeia nacional– é ela que decide enfrentar o medo e a dificuldade da primeira vez.
Tarcísio Meira abriu "Fera Ferida" conclamando o povo da cidade a um esforço coletivo para descobrir e explorar o suposto ouro da região. Perseguido injustamente, o prefeito Feliciano, vestido em camisa de gola, termina morto antes de ver realizado seu sonho desenvolvimentista.
Há quase 15 anos, vestindo uma versão rústica das tradicionais camisas de gola, Tarcísio Meira interpretou o grande João Coragem, liderando o povo de Coroado na reconstrução da cidade destruída pelo fogo enraivecido do coronel superado. O mesmo Tarcísio: garimpo, diamantes, ouro, interior do Brasil.
Os motivos são semelhantes, mas longe de mera repetição, há aqui uma re-significação da nacionalidade, com intensa –e muitas vezes gratuita– citação de fatos políticos recentes, como impeachment e corrupção.
Feliciano Flamel vai redimindo a cidade dos grilhões que a aprisionam, mas sua atuação é ambígua. Em lugar da ação suada e impulsiva de seus predecessores, o herói de "Fera Ferida" age de forma planejada e dissimulada.
Vive na penumbra em um castelo-laboratório misterioso. Aqui a conquista do ouro não exige dispêndio de energia física, montarias ou tiros. Resulta magicamente de experimentos de alquimia.
"Fera Ferida" introduziu no horário nobre um herói menos viril, a libertação da solteirona e o esgotamento da política da força (representado pelo enlouquecimento do major, magnificamente interpretado por Lima Duarte). Substituído pelo "anhangá tinhoso", o herói épico de Janete Clair já não existe. Resta saber o quão efetiva será sua ação.

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