São Paulo, terça-feira, 12 de julho de 1994
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Lula e o palanque

ANTONIO CABRERA
"NÃO TE PRECIPITES COM A TUA BOCA"

Eclesiastes 5:2.
Embora tenha deixado o Ministério da Agricultura há quase dois anos, minha gestão deve ter incomodado muito o candidato presidencial Luiz Inácio Lula da Silva. Mesmo que a sabedoria rural ensine que não se atira pedras em frutas podres, o candidato do Partidos dos Trabalhadores, em seus périplos pelo interior paulista, tem feito gratuitos ataques ao período em que estive frente à pasta da Agricultura.
Falando num palanque armado na tentativa de ganhar votos na área rural, Lula acusou-me de ter extinto o IBC (Instituto Brasileiro do Café) e o IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool). Esse discurso, mostra o despreparo do candidato do PT em matéria de agricultura, pois tais órgãos nunca pertenceram ao ministério que dirigí. Como posso ter extinto empresas que não estiveram sob minha responsabilidade administrativa?
Na Folha de S.Paulo (edição de 16/6/94) Lula afirmou que "desmontei a agricultura do nosso país". É fácil na vida quebrar as vidraças! Difícil é arregaçar as mangas e fazer o vidro. Foi justamente nesse período de "desmonte" que o Congresso Nacional, em conjunto com o Ministério da Agricultura, aprovou a primeira Lei Agrícola da nossa história, estabelecendo as regras e normas de uma política agrícola.
Na política, os exemplos são mais importantes do que as palavras: enquanto o discurso de Lula tenta demonstrar atenção ao pequeno agricultor, foi no meu período à frente do Ministério de Agricultura que estabeleceu-se em nível federal a legislação para a equivalência-produto destinada aos pequenos produtores, transformando sua produção em moeda agrícola. O discurso de Lula sobre pequenos agricultores é como tambor, só faz muito barulho mas é ôco por dentro.
Aliás, o candidato do PT tem afirmado nas suas andanças que será feita uma revolução no campo. Discurso revolucionário, porém, não é aquele que apenas contesta, mas sim aquele que inova. E haja inovação!
Em Barretos, o PT e Lula procuraram agradar os pecuaristas e tentaram aproximação com a UDR; em Bebedouro fizeram promessas ao setor da laranja; em Ribeirão Preto tornaram-se defensores da cana-de-açúcar.
O problema é que esta tática inovadora de angariar votos não foi devidamente combinada com o candidato do PT ao governo de São Paulo que, na Folha do dia seguinte, decretava que "vamos acabar com o domínio da laranja, da cana e do capim".
Aqueles que conhecem o interior sabem que a lua nunca apareceria à noite se desse atenção aos cães que ladram contra ela.
Enquanto o discurso de Lula quer distribuir um cachinho de uva a todas as crianças do Brasil, naquela mesma região visitada por sua caravana, determinei à Embrapa, quando ministro, que instalasse um centro de apoio e transferência de novas tecnologias aos plantadores de uva. Alí, Lula apenas colheu e saboreou o que não foi semeado por sua iniciativa ou apoio.
No suco de laranja, também consumido em Bebedouro, não enxerguei, durante a administração em que as farpas foram atiradas, a presença de Lula na luta contra a taxação de sucos nos EUA, ou a sua defesa quando retiramos o imposto sobre exportação do mesmo produto.
Ao mesmo tempo em que Lula quer promover uma reforma agrária com apenas uma "canetada", nós, de maneira mais modesta, entendemos que reforma agrária não se faz no conforto de um gabinete e com uma simples caneta.
Nesse segmento, mesmo que o campo já saiba do seu desrespeito às leis do país, pois "o justo está acima da lei", vale a pena lembrar que foi no período criticado que se iniciou a regulamentação jurídica para as atuais desapropriações de terras, sem produtivo, gerando mais comida e trabalho. Foi também de nossa iniciativa a aprovação de uma lei permitindo a expropriação das terras com narcoplantas para fins de reforma agrária.
A agricultura brasileira não será cuidada com uma caneta, mas sim com o braço do nosso agricultor que, amparado numa verdadeira política agrícola, encherá o nosso prato. Sugiro a Lula que desça do palanque. Nesse clima de Copa do Mundo, chega de jogar só para a torcida. Vamos jogar também para o Brasil.

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