São Paulo, quarta-feira, 13 de julho de 1994
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Três obstáculos no caminho de FHC

JOSÉ AUGUSTO GULHON ALBUQUERQUE

JOSÉ AUGUSTO GUILHON ALBUQUERQUE
Fernando Henrique desfruta da tranquilidade –que falta a Lula– de ter um objetivo mais modesto no primeiro turno, já que lhe basta qualificar-se para o segundo. Como Lula, ele parte de um patamar de popularidade, ao qual acrescenta um trunfo: um cartel de alianças partidárias significativo. O que lhe permite não depender de eventuais erros de seus adversários, e sim contar com suas próprias forças. Mas é nessas forças que, mais uma vez como Lula, Fernando Henrique encontra os principais obstáculos à sua eleição.
O PSDB é um partido de centro, com eleitorado de centro: 85% do eleitorado identificado com o partido se declara de centro e situa o PSDB no centro do espectro ideológico. Igual proporção dos eleitores do candidato peessedebista à Presidência em 89, Mário Covas, se definiam e definiam o partido da mesma maneira (pesquisa USP/Cedec, Datafolha, março de 1990). Mas parte significativa das lideranças e, sobretudo da militância do PSDB, pensa que é de esquerda. Com isso, o partido tenta desesperadamente empurrar a candidatura de Fernando Henrique para a esquerda. Seu sonho é disputar com Lula o voto dos radicais.
Também partiu do interior do PSDB a tentativa de veto às alianças à direita do partido. Se tivesse cedido ao veto, restaria ao PSDB a opção entre ser caudatário do PT ou isolar a candidatura FHC. Isolado, Fernando Henrique se tornaria muito mais vulnerável a outras candidaturas competitivas situadas do centro-esquerda à direita.
A grande maioria da esquerda, a despeito dos distúrbios de identidade do PSDB, votará no candidato da esquerda: o Lula. Os restantes irão dividir-se, um pouco para Brizola, um pouco para Quércia, sobrando para Fernando Henrique uma pequena parcela.
Portanto, a menos que se trate de "marcar posição" e, pelo menos simbolicamente, curar a cisão identificatória do PSDB, o lugar da candidatura FHC é exatamente onde ela nasceu: no centro. Sacrificar alianças à direita, sobretudo para cortejar um eleitorado que já tem donos, seria suicídio. Pois além de acesso ao eleitor moderado, as alianças lhe proporcionam expectativa de maioria de governo depois das eleições.
Outra tarefa que pode parecer trivial, mas exige uma prévia definição estratégica, é a escolha do adversário. Tal definição não deve ser mecânica –"atacar o mais forte"– nem teórica –"polarizar com o que mais se opõe ideologicamente".
No caso do PSDB, tanto os ideológicos como os pragmáticos do partido, por razões diferentes, tentam empurrar Fernando Henrique para uma confrontação direta com Lula, desde o primeiro turno.
Se tal acontecer, teremos uma situação em que Fernando Henrique será o alvo comum de todos os demais candidatos, enquanto seus rivais na luta para alcançar o segundo turno serão poupados, correndo livremente por fora.
Isto vale sobretudo para Quércia, pois é quem poderia, com mais competência, reconstruir um arco de alianças análogo ao da candidatura Fernando Henrique, emprestando credibilidade à sua pretensão de disputar o segundo turno com Lula.
Lula e o PT já escolheram o seu alvo, uma moeda de duas faces: cara é Fernando Henrique, alvo dos ideólogos, pois a esquerda não suporta a idéia de rivais à esquerda; coroa é o real, alvo dos pragmáticos, pois tornou incerta a vitória supostamente certa de Lula já no primeiro turno. Quércia também fará de Fernando Henrique seu alvo predileto, por ser o maior obstáculo entre ele e o segundo turno.
Sem dúvida qualquer candidato que aspire à Presidência precisa "polarizar" com Lula, no sentido de ser percebido, pelo eleitorado, como alternativa necessária ao candidato do PT. Fernando Henrique não precisa agredir Lula para ocupar essa posição, pois sua candidatura já nasceu no pólo oposto ao de Lula.
Ao optar por um plano econômico oposto à heterodoxia do Cruzado e à pirotecnia de Collor, a candidatura de Fernando Henrique já estava embutida na sua gestão na Fazenda, onde claramente assumiu os temas da estabilidade econômica e da governabilidade como condições prévias para o crescimento e a justiça social.
Quanto à candidatura petista, em que pesem seus economistas mais moderados, é indubitável que a mensagem transmitida ao eleitorado é oposta: as reformas sociais devem ser imediatas –"de uma penada"– e a estabilidade e o crescimento virão por acréscimo.
De um lado estabilidade, de outro reformas, não há polarização mais clássica em política. Mas polarizar não significa agredir. Entendendo isto, Quércia tem poupado Lula, pois seu objetivo principal é chegar ao segundo turno. Portanto, impedir a vitória de Lula já no primeiro é secundário, e só lhe interessa se isto ocorrer em benefício dele, Quércia.
O único obstáculo à adoção de uma estratégia própria reside no amadorismo que cerca a candidatura FHC. Vista de fora, entretanto, essa estratégia é cristalina: Fernando Henrique é o homem de grande conhecimento e habilidade política (um verdadeiro "professor") que, por meio de métodos democráticos, vai pôr ordem na desordem reinante no país: estabilizar a economia, arrumar a casa do governo, mandar os bandidos e corruptos para a cadeia. Simples como "bom-dia!".
Por amadorismo, ou por excesso de profissionais (o que produz os mesmos resultados), a identidade de Fernando Henrique, já consolidada fora e dentro da política, corre grave risco de diluir-se em atitudes que têm pouco a ver com o que o eleitorado espera de um presidente.
Na Fazenda, ao contrário, a missão de Fernando Henrique aparecia com clareza: pôr ordem num governo que não governa, acabar com uma inflação que a tudo engole, dar cabo da miséria e do desemprego. A oposição é quase clássica, à la De Gaulle: "Sou eu ou o caos".
Um homem de grande poder e saber, disposto a enfrentar o caos, para trazer a estabilidade, a ordem e a justiça. Uma estratégia com tal simplicidade dificilmente resiste ao excesso de profissionais.
Tal como teria sido precipitado conceder a vitória de Lula já no primeiro turno, com base nas primeiras prévias eleitorais, também seria precipitado contar com Fernando Henrique no segundo turno, antes de conhecer os efeitos da campanha propriamente dita, especialmente os do programa eleitoral gratuito.
Definir com precisão o espaço político da candidatura, escolher com clareza os adversários, e adotar uma estratégia única de comunicação são obstáculos que ainda precisam ser enfrentados no caminho de Fernando Henrique para a Presidência da República.

JOSÉ AUGUSTO GUILHON ALBUQUERQUE, 53, é professor titular do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo. Foi professor visitante na Universidade de Georgetown (EUA) e na cátedra Jacques Leclercq da Universidade Católica de Louvain (Bélgica).

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