São Paulo, quinta-feira, 14 de julho de 1994
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Villela chega à cultura popular urbana

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Título: A Falecida
Autor: Nelson Rodrigues
Diretor: Gabriel Villela
Vinhetas: Wagner Tiso
Elenco: Maria Padilha, Marcelo Escorel, Yolanda Cardoso, Adriana Esteves e outros
Quando: De quarta a sábado, às 21h30, domingo, às 20h30
Onde: Centro Cultural São Paulo, sala Jardel Filho (r. Vergueiro, 1.000, tel. 277-3611)
Quanto: R$ 5,45

Gabriel Villela, afinal, chegou à cultura popular urbana. Saltou das alegorias do interior de Minas Gerais para a sinuca e o futebol do subúrbio do Rio. É num cenário de mesa de bilhar e com os atores vestidos de jogadores que ele estréia hoje "A Falecida", de Nelson Rodrigues.
No momento, o diretor está de volta a Minas, trabalhando nos ensaios de uma nova montagem com o grupo Galpão. A entrevista foi feita por telefone.

Folha - Você questionou, uma vez, a própria existência de uma cultura popular urbana. Como foi o encontro com Nelson Rodrigues, que é um autor popular urbano, ou suburbano?
Gabriel Villela - Foi um desafio, para mim mesmo. Eu queria ver se era possível entrar no subúrbio carioca e de lá retirar materiais que servissem à arte que eu quero, usando o mesmo processo que eu uso ao falar do interior do Brasil, de Minas, mas sem ter que citar em hora nenhuma o interior de Minas, o barroco e tudo mais.
Eu senti que era mais fácil do que eu previa. Primeiro, porque fui morar no Rio, fiquei seis, sete meses lá. Tratei de entrar em contato com a cidade, fui centenas de vezes ao subúrbio, até ao que antigamente era a Aldeia Campista e foi encampado pela Tijuca.
E quando eu percebi que no Nelson Rodrigues vibrava muito forte a questão do jogo, do futebol... E que, quando ele fez "A Falecida", foi numa ressaca, numa fase depressiva do povo brasileiro, que era exatamente um instante de frustração nacional...
Folha - Da Copa de 50.
Villela - Por causa da Copa de 50. Então eu tratei de fazer essa transferência. Traçando um paralelo com os personagens, eu observei que eles eram todos falidos, alguns com grandes expectativas, outros que já iniciavam numa falência monumental.
A partir das citações ao jogo Brasil e Uruguai, ao futebol, eu me apropriei então da linguagem do futebol –que aí deixa de ser, na verdade, uma linguagem suburbana, ou uma paixão restrita à cultura carioca, ao povo carioca, e passa a ser uma paixão brasileira.
Folha - E aí você achou a ligação com o seu trabalho.
Villela - Aí eu fiz a ponte. Quer dizer, o processo foi o mesmo. Eu só tirei o olhar do mato e joguei no subúrbio carioca. Mas com isso, naturalmente, o trabalho perde as referências interioranas e surge como a recriação de um grande time que vai disputar uma grande partida em que não há vencedores.
Nós fomos tão fundo nisso que recorremos a roupas, a tecidos, a bandeiras dos clubes cariocas. Todo o figurino foi a partir de desenhos da década de 50, criando-se a fantasia de um escrete imaginário, em que no fundo você enxerga o Vasco, o Fluminense, um América. O espetáculo ganhou esse invólucro. Muito disso quem me ensinou foram os próprios atores.
Folha - Como surgiu o cenário da mesa de bilhar?
Villela - O conceito já existia numa montagem universitária que eu fiz da peça. Como só tinha oito atores para o trabalho, eu associei as oito figuras às sete bolas de bilhar, mais a bola branca sendo a Zulmira. Eles contracenavam sobre um carpete verde, que simbolizava a a mesa. Não tinham mãos, mas tacos que se prolongavam. (risos)
Folha - Obviamente, você não manteve isso agora.
Villela - Eu tirei porque ficou muito... Refletindo sobre a época, eu senti que isso tirou muito a naturalidade dos atores. Transformou-os quase em robôs. É claro que eles acabaram quebrando isso um pouco, mas foi uma investida muito pesada sobre eles.
Desta vez, os atores manipulam os tacos em cena, mas só na morte da Zulmira, uma morte que a gente faz voltada para o padroeiro do Rio de Janeiro, que é São Sebastião. Tem toda uma coisa medievalesca.
Folha - Nas suas montagens está sempre presente um lado religioso. Também agora?
Villela - Ele está mais concentrado, agora. A peça assume um caráter ritualístico, basicamente, na morte da Zulmira, no instante de agonia dela. É o único momento em que está tudo paramentado com um conteúdo religioso. Mas existe também um deboche muito grande, um tom de ironia o tempo inteiro.

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