São Paulo, sexta-feira, 15 de julho de 1994
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De que morre o nosso povo

ARNALDO NISKIER

O jornalista Carlos Chagas, que é um grande amigo, desde os tempos em que trabalhou como assessor de imprensa do inesquecível governador Negrão de Lima, espantou-se na televisão, falando diretamente de Brasília: "É um absurdo mostrar ao mundo os números da mortalidade infantil brasileira, sobretudo nos Estados do Nordeste. Estamos piores que algumas nações africanas!"
Pensando bem, é mesmo uma vergonha. Em Alagoas, de cada mil crianças nascidas, 155 não alcançam o primeiro ano de vida; no Ceará, cujos últimos governos são tão elogiados, o número de mortes chega a 130. A causa maior é sabida –e não é de hoje: desnutrição crônica.
Há muitas teorias a respeito. Aliás, mais teorias que soluções. Fala-se em medicina preventiva, saneamento básico, planejamento familiar etc. Quando o governo, demagogicamente, cria frentes de trabalho, pagando meio salário, não está resolvendo coisa alguma.
Nos últimos anos, por exemplo, quem ouviu falar num grande projeto de irrigação na área? É só paliativo, para alegria de políticos espertos e cada vez mais distanciados do respeito à cidadania.
Lembro um fato bem sintomático. Um dia, no Palácio Guanabara, o secretário de Planejamento, Francisco Melo Franco, manifestou ao governador Chagas Freitas o horror de uma comprovação. Tomou conhecimento de que crianças da rede pública fluminense voltavam das férias com 3 kg a menos. Não tinham refeição escolar durante aquele período e as consequências eram dramáticas.
O governador, sensibilizado, perguntou ao secretário de Educação o que poderia ser feito para atenuar o problema. "É simples", disse-lhe de imediato, "basta que o sr. autorize a distribuição da merenda mesmo no período de férias".
Assim foi feito, numa decisão pioneira no país –e isso há mais de 10 anos. As crianças foram chamadas às escolas tanto no período de julho quanto nas férias mais longas, para atividades recreativas que, na verdade, encobriram a decisão política de fornecer as refeições.
Houve continuidade? Outras secretarias adotaram o mesmo procedimento? Pouco provável. Do que se toma conhecimento é das dificuldades do Ministério da Educação e do Desporto, por intermédio da Fae (Fundação de Assistência ao Estudante), para distribuir as refeições escolares em tempo de aula. Se nem isso é feito de modo adequado, o que dizer do período de férias?
Proclama-se a municipalização da merenda, mas não são conhecidos os resultados concretos da providência, até porque a estrutura da Fae não é das mais brilhantes. Enquanto isso, morrem nossas crianças, num processo lamentável e vergonhoso de genocídio.

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