São Paulo, sábado, 16 de julho de 1994
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Márcio Santos diz estar pronto para Baggio

JOÃO MÁXIMO
ENVIADO ESPECIAL A LOS ANGELES

Márcio Roberto dos Santos, paulistano de 24 anos, um dos jogadores favoritos da torcida do Gironds Bordeaux, está tendo uma carreira que ele mesmo define como "meteórica", mas ainda não se habituou de todo ao sucesso.
Na quarta-feira, horas depois da vitória sobre a Suécia (na qual anulou aquele que era tido como mais perigoso atacante adversário), entrou no restaurante do hotel onde se hospeda a seleção brasileira e foi aplaudido por dezenas de brasileiros que ali jantavam.
Embora fosse um justo reconhecimento à sua excelente atuação naquela tarde, Márcio virou a cabeça como se a procurar o objeto do carinho da torcida. Supunha que só Romário merecia esse tipo de manifestação. Acabou deixando o local meio encabulado.
Hoje, ele é um dos trunfos brasileiros para a final da Copa. Sabe que terá pela frente Roberto Baggio, o superastro italiano. Mas nada o assusta. Chega a admitir, em entrevista exclusiva a Folha, que a contusão do italiano possa não passar de esperteza. "Na hora, ele acaba jogando tudo o que sabe".
Pronto para marcar Baggio ou quem quer que seja, Márcio Santos levará para o Rose Bowl, hoje, uma lembrança 1982: era um menino de doze anos quando o Brasil foi eliminado da Copa do Mundo pela Itália, em Barcelona. Naquele dia, ele chorou.
Antes da entrevista, estava curioso para saber se já havia saído a seleção da Copa, eleita pela Fifa. Curiosidade justificada: horas depois, Márcio Santos estaria nela.

Folha – Como aquele menino que chorou em 82 se transformou no zagueiro da final de 94?
Márcio Santos – A história é longa. Mas desde menino quis ser jogador de futebol. Joguei pelada em várzea, joguei futebol de salão. Até que um dia fui treinar no Nacional e fiquei. No meio campo.
Folha – E como o meio-campo virou zagueiro?
Márcio – É engraçado, mas comecei jogando na frente. Era artilheiro no meu time de futebol de salão. Até hoje alguns amigos daquela época estranham que eu tenha virado beque. Mas aconteceu no time do João Atala, o Marcas Famosas, só de jogadores sem clube. Jogávamos aos sábados. João Atala me deu muita força. Foi quem me indicou para o São Paulo, que é o meu clube de coração. Em casa, a começar por meu pai, somos todos são-paulinos roxos.
Folha – Quanto tempo ficou no São Paulo?
Márcio – Uns três ou quatro meses. O treinador dos juvenis, Carlinhos Magalhães, me dispensou. Disse que já tinha dois bons zagueiros para a minha posição, Ivan e Glauber. Fui para o Novorizontino. Em 1987, já éramos terceiros colocados no Campeonato Paulista de Juniores. No ano seguinte, fomos campeões. Aí as coisas começaram a acontecer muito depressa. Fui eleito o melhor zagueiro da Taça Cidade de São Paulo em 88.
Folha – Nenhum grande clube quis contratá–lo na ocasião?
Márcio – Sim, o Benfica de Lisboa. Mas eu tinha apenas dezoito anos. Achei que ainda não era hora de sair do Brasil. Assinei logo em seguida o meu primeiro contrato com o Novorizontino e fui promovido a capitão do time. Depois, andei mudando de clube até parar no Botafogo.
Folha – Por que diz que sua carreira tem sido meteórica?
Márcio – Porque, realmente, tudo tem acontecido muito rápido. Em 1992, com 22 anos, fui jogar pelo Bordeaux. Imagine você: um clube da França. Pois seis ou sete anos antes eu ainda era um torcedor de arquibancada. Desses de correr atrás dos ídolos. Um dia, um Flamengo e Santos no Morumbi, entrei em campo depois do jogo para pedir ao Mozer o seu meião. E ele me deu.
Folha – E o Bordeaux, como entrou em sua vida?
Márcio – Outra prova de que as coisas acontecem rapidamente comigo. Cheguei lá e, em menos de um ano e já era adorado pelo presidente e pela torcida. É muito difícil isso acontecer com um jogador brasileiro de 22 anos.
Folha – Quando você chegou à seleção brasileira?
Márcio – Em 1990, logo depois da Copa da Itália. Eu estava na primeira convocação do Falcão.
Folha – O que sentiu quando, para as eliminatórias do ano passado, Parreira chamou os dois Ricardos, Mozer e Válber, deixando você de fora?
Márcio – Cheguei a pensar que meus dias na seleção tinha chegado ao fim. Aí, houve aquele problema com o Mozer (não se apresentou em Teresópolis dentro do prazo deteminado pela CBF) e fui chamado. Tinha ido ver minha noiva, Karen, em Porto Alegre. Eu estava no aeroporto quando me avisaram. Depois disso, não saí mais do grupo. Hoje, sou o titular. Vê como tudo acontece depressa?
Folha – Chegar a titular de repente, com a saída de Ricardo Gomes, foi uma responsabilidade muito grande para um zagueiros de 24 anos?
Márcio – Sim, mas não tem problema. Tenho boa cabeça. Mesmo na véspera de uma decisão, não perco a tranquilidade.
Folha – O que foi para você marcar o Andersson, que diziam ser a "fera sueca"? E o que vai ser marcar Baggio?
Márcio – Tudo bem. O jogo contra a Suécia foi o mais fácil desta Copa. Eles não ameaçaram Taffarel. Demos azar perdendo tantos gols. Quanto ao Baggio, estou achando estranha essa contusão dele. Não acredito muito nessa história. Na hora, ele joga tudo o que sabe.
Folha – Como você se prepara, psicologicamente, para um jogo de Copa do Mundo?
Márcio – Eu me concentro muito. Na noite de véspera, vou para meu quarto, fico pensado no jogo, no adversário, no nosso time. Mentalizo tudo isso. E rezo também. Normalmente, sou muito falante, brincalhão, converso com todos. Mas, já no estádio, vou para um canto e fico em silêncio. A concentração é muito importante. É ela que me faz entrar em campo com aquilo que considero melhor em mim: a atenção. Nunca me desconcentro do jogo.
Folha – Você diz que reza. Também faz parte dos Atletas de Cristo?
Márcio – Não, sou católico.
Folha – A religião o tem ajudado, na vida e no futebol?
Márcio – Como te disse, tudo tem acontecido depressa. Tenho dado sorte. Acredito que essa luz venha pelas mãos de Deus.
Folha – Você se considera um jogador determinado?
Márcio – Sei que sou. Desde menino que corro atrás das coisas. Conhece aquela música: "Quem sabe faz a hora, não espera acontecer"? Pois é isso.
Folha – E esta seleção brasileira? Como você vê o ambiente entre os jogadores?
Márcio – Ótimo. Nunca vi nada igual. É comum, numa seleção, a vaidade de quem fica na reserva criar problemas entre os jogadores. Aqui não tem nada disso. Já viu a vibração do banco na hora de cada gol? Aqui não tem essa de não aceitar a reserva. É bonito o que
estamos vivendo nos Estados Unidos.
Folha - Houve quem chamasse de "perdedora" a geração de Zico, Falcão, Sócrates, Júnior. Acredita que a sua é uma geração ganhadora?
Márcio - Estamos jogando para ganhar.
Folha - Você e Aldair já tinham jogado juntos antes desta Copa?
Márcio - Apenas uma vez, no amistoso com a Islândia, em Florianópolis. Mas nosso entendimento é naturalmente perfeito. Zagueiros não têm disso. Jogadores de meio campo, atacantes, esses precisam de entrosamento maior. Dois zagueiros de área, que conhecem a posição, que sabem marcar, cobrir, antecipar-se, tudo bem. Acertam logo de primeira.
Folha - Acha que esta tem sido uma grande Copa?
Marcio - Para nós, sim. Estamos ganhando. Vi alguns bons times por aqui. A Romênia e a Nigéria, por exemplo. Sinceramente, esperava que a Romênia fosse mais longe.
Folha - Quais os melhores atacantes desta Copa?
Márcio - Romário, o que desequilibra.
Folha - E os estrangeiros?
Márcio - O Hagi. Ótimo jogador. Muita habilidade, uma perna canhota perigosa. Roberto Baggio também. Está levando a Itália nas costas.
Folha - Está gostando do futebol que a seleção brasileira joga? Há quem o critique chamando-o de europeu ou defensivista.
Márcio - Você acha que estamos jogando mal. Eu não acho. Temos sido superiores a todos os nossos adversários. A verdade é que todo mundo se fecha contra o Brasil, dificultando as coisas para Bebeto e Romário. Fomos superiores aos Estados Unidos, à Holanda e à Suécia. Chegamos à final nos impondo a todos eles.
Folha - E essa questão de jogar bem e perder ou jogar mal e ganhar?
Márcio - Como eu disse, não estamos jogando mal. O importante é que chegou a hora de o Brasil ganhar uma Copa do Mundo. Desde o primeiro dia o Parreira deixou claro que o nosso futebol, nesta Copa, seria competitivo. Jogar bonito não adianta. Já reparou que todos os times europeus campeões do mundo jogam feio. A Alemanha a Itália, essas são seleções que vêm à Copa para competir, para ganhar, e não para se exibir.
Folha - Mas não acha que seria possível unir as duas coisas, o jogar bem com o vencer?
Márcio - Sim, e é o que estamos fazendo. Só que jogamos mais objetivamente, sem enfeites, sem jogadas de efeito. Lembro de 1982. Eu tinha doze anos. Era um garoto apaixonado por futebol. Quando perdemos aquela partida para a Itália e fomos eliminados, eu realmente chorei.
Folha - O que acredita que mudará em sua vida com a conquista do título mundial?
Márcio - Tudo. Ser campeão do mundo é importante para qualquer brasileiro, imagine para quem joga. Profissionalmente, as coisas mudam da água para o vinho.
Folha - Pretenede continuar na França?
Márcio - Tenho mais dois anos de contrato com o Bordeaux. Mas acho difícil continuar lá, mesmo com o bom ambiente que tenho. Acho que, se for campeão, as propostas vão chover. Gostaria de ir para a Itália ou para a Espanha. O Campeonato Francês é pouco divulgado.
Folha -Gosta de Bordeaux?
Márcio - Sim, muito. É a terceira cidade da França. E tem o melhor vinho do mundo.
Folha - Acredita que Márcio Santos tenha se consagrado nessa Copa?
Márcio - As coisas têm corrido bem, graças a Deus. A propósito, já saiu a seleção da Copa (no momento da entrevista, tal seleção, organizada pela Fifa e incluindo Márcio Santos entre os eleitos, ainda não havia sido divulgada). Acredito, sim, que muito coisa vai depender de gente vencer ou não a Itália.
Folha - O Brasil vence ou perde?
Márcio - É um jogo difícil. A Itália tem tradição, também quer ser tetra, tem torcida por aqui, essas coisas todas. Mas estamos jogando um futebol sério, com raça e muita aplicação. A meu ver, um futebol ganhador.
Folha - Sua família veio torcer por você nos Estados Unidos?
Márcio - Só o Luís, meu irmão mais velho. Que aliás também joga futebol. Luís está me acompanhando por todos os Estados Unidos. Meus outros irmãos, Lúcia, Marcelo e Flávio, estão torcendo por mim lá em São Paulo, pela tevê. Minha noiva também. E, é claro, meus pais, Wilma e Antônio dos Santos.
Folha - Já pensou, no caso de ser campeão do mundo, o que fará com a camisa do jogo?
Márcio Sim. Vou dá-la de presente ao meu pai. Não há italiano que a tire de mim.

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