São Paulo, sábado, 16 de julho de 1994
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Troianas resistem bravas em 'Astiânax'

DANIELA ROCHA
DA REDAÇÃO

A peça "Astiânax", adaptação da tragédia "As Troianas", consegue sintetizar o belo e trágico do teatro clássico de Eurípedes.
Cinco mulheres de Tróia sobrevivem a uma guerra que durou dez anos e destruiu a cidade. Enquanto aguardam em suas tendas a chegada dos gregos, que as levarão como escravas, ficam prostradas em desespero e solidão.
Sem cair na armadilha dos dolorosos "Ai de mim..." –para imprimir o vigor do drama– a direção de Eduardo Bonito (assistente de Antonio Abujamra em "O Inspetor Geral") usa de sutileza para transformar as sensações, desejos e sentimentos das mulheres muito mais refinados.
Para as mulheres, não há tempo de espera e não há nada mais o que fazer. e uma desordem em suas vidas com casamentos desfeitos, filhos mortos, terra arrasada. Mas elas mostram também que nem tudo está acabado. Mulheres carregam o futuro em seu ventre e sabem que por isso são mais poderosas que os homens –mesmo que sejam gregos.
Helena, interpretada por Luciana Gracia, tem um elemento a mais: o poder de sedução, explorado com perfeição nas mudanças de entonação e na expressão corporal –que homem resistiria aos movimentos e olhares de Helena? Nela, percebe-se que mulheres podem ser escravas, mas nunca serão totalmente dominadas.
A maternidade –elemento essencial nas mulheres de Eurípedes– está encerrada nos lamentos da rainha Hécuba, que tem seu filho Astiânax –único homem sobrevivente da Guerra de Tróia– entregue a Ulisses, que manda matá-lo brutalmente.
Nesse trecho, o drama se impõe e depois de tantos lamentos já demonstrados, a interpretação escorrega por instantes na velha fórmula da repetição dos gestos para expressar a loucura.
O diretor utilizou para a montagem o texto adaptado de Jean-Paul Sartre de "As Troianas" e mostra com equilíbrio uma apologia poética contra as guerras e a alma feminina diante das perdas. E consegue mais: na interpretação de Aline Falsetti como a deusa louquinha Palas-Atena, mostra que é possível rir sem deslizar para o humor fácil. Está explícito que trata-se de uma tragédia.
Os caminhos das mulheres são traçados com a iluminação. A sonoplastia dá ritmo ao espetáculo e o cenário –simples, o palco exposto sem rotundas– é um misto de deserto e ruína e dá a ilusão de perda, de solidão.

Peça: Astiânax
Autor: adaptação de "As Troianas", de Eurípedes
Diretor: Eduardo Bonito
Elenco: Aline Falsetti, Bia Serranoni, Luciana Garcia, Marília Monteiro e Rachel Ornellas
Quando: hoje e amanhã, às 21h
Onde: teatro Ruth Escobar (r. dos Ingleses, 209, tel. 011/289-2358)
Quanto: R$ 4,00

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