São Paulo, domingo, 17 de julho de 1994
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Baggio encara encruzilhada de sua carreira

SÍLVIO LANCELLOTTI
ENVIADO ESPECIAL A LOS ANGELES

Como nas mais nebulosas fábulas orientais, neste domingo o destino oferece três caminhos ao futebudista Roberto Baggio.
Primeiro, ele pode aceitar as ordens da sua Juventus de Turim e escolher o trivial da segurança - e não atuar diante do Brasil.
Depois, pode escolher o risco calculado e ficar no banco de reservas da "Azzurra", à disposição eventual do mister Sacchi.
Enfim, pode correr o perigo da sua vida, topar uma infiltração de miorelaxantes e de anestésicos na sua coxa direita - e detonar de vez a sua contusão.
Triste o dilema do "Codino", o craque do rabo-de-cavalo que a Copa dos EUA transformou numa coleção de trancinhas, precisamente 17 - aliás, um número de azar na história da seleção da Velha Bota.
Com a camisa 17, por exemplo, o norte-coreano Pak Doo Ik eliminou a "Azzurra" do Mundial da Inglaterra em 66. Com a 17, o meia Alberigo Evani se contundiu na estréia da Itália em 94.
Baggio, ironicamente, brigou muito com Arrigo Sacchi para vestir a 10. Com um problema no tornozelo canhoto, além da contusão na coxa, talvez não consiga desfrutar o seu sonho de menino, disputar uma decisão diante do Brasil, equipe que nunca enfrentou.
Enquanto isso, seu xará de sobrenome, Dino Baggio, ganhou a "maglia" que seria de Roberto, a 13, um desastre na cabala. E Dino estará ativo no Rose Bowl.
O "Codino" com certeza dormiu inquieto a sua última noite antes do final da competição. De que forma resolver o seu enigma? Caberia a ele, exclusivamente, pela manhã, no Marriot Inn de Torrance, informar os médicos da "Azzurra" sobre suas dores.
Fará um teste definitivo às 10 da matina. Às 11h, afinal, o seu mister transmite à Fifa o time titular.
Baggio se aconselhou com os pais, Florindo e Matilde, presentes na Califórnia. Conversou com a mulher, Andreina, uma década de namoro desde a adolescência.
Ganhou um beijo telefônico da filha Valentina, quatro anos. Revisitou o seu passado de atleta, uma história de complicações, mais do que glórias. Patético desfecho, terminar no estaleiro o certame da sua consagração.
Nascido em Caldagno, um lugarejo de lagos e de patos selvagens na província de Vicenza, Baggio despontou nos juvenis de sua terra, transferiu-se para a Fiorentina de Florença e, durante a Copa da Itália, abocanhou cerca de US$ 15 milhões para passar à Juventus.
Nesse percurso, foi sempre um astro à beira do despenhadeiro. Ídolo na Fiorentina, dela saiu apedrejado por um bando de torcedores fanáticos, que não lhe permitiram um treinamento na cidade às vésperas do Mundial de 90.
Designado o salvador da Juve, que não ganha um campeonato desde 86, até agora permanece virgem na batalha pelo "scudetto".
Esteve perto de se tornar o artilheiro da Bota em quatro temporadas. Estacionou, porém, na segunda colocação em 90, na quinta em 91, na segunda em 92 e 93.
No princípio de 94, conquistou todos os prêmios como o astro do planeta. Natural que dele se esperasse uma Copa de antologia.
Baggio, todavia, entrou pessimamente na competição. Sofreu a humilhação de ser substituído, aos 20min, na peleja com a Noruega, depois da expulsão do arqueiro Gianluca Pagliuca.
Brigou publicamente com o mister. Absorveu as pauladas da imprensa de seu país. E, enfim, brilhou na eliminação da Noruega, da Espanha e da Bulgária, a ponto de a mídia até brincar: "Buda é italiano", numa referência à religião que Baggio adotou depois de uma visita ao Japão em 91.
Hoje, de fato, lhe resta rezar. Aos 27 anos, ainda pode participar de mais uma Copa. Sair desta sem o desforço da decisão, porém, maculará o seu currículo.
Baggio quer jogar, mas não deve se prejudicar. Com o desfecho do mistério se medirá o tamanho do seu caráter, da sua coragem, da sua responsabilidade –ou da sua loucura.

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