São Paulo, quarta-feira, 20 de julho de 1994
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O torcedor vibra com a taça, mas não se engana

ALBERTO HELENA JR.

O torcedor vibra com a taça, mas não se engana
Em Los Angeles
É tempo de celebração. Afinal, o grito de campeão reprimido por duas décadas explodiu num país em festa. O futebol brasileiro, como um todo, e o torcedor, em especial, mereciam isso.
É bem verdade que o time não chegou a emocionar, nem mesmo vivemos o pânico da derrota iminente. Mas nosso futebol, a sua capacidade de regenerar-se em ciclos cada vez menores, diante das investidas do resto do mundo, que nos leva talentos ainda emergentes, e da incúria dos nossos dirigentes –sobretudo a CBF–, incapazes de darem aos clubes e à seleção o suporte mínimo de um calendário racional, esse sempre foi um dos melhores do planeta.
O torcedor, por seu lado, não se engana. Vibra com a conquista, mas sabe que ela foi circunstancial e opaca.
Pela primeira vez na história dos Mundiais, uma final terminou em zero e a decisão foi para os pênaltis. Por isso, há um travo amargo no doce grito de campeão que percorre as ruas do Brasil. Afinal, o futebol brasileiro foi aquele que deu ao jogo da bola a maior dose do toque de espetáculo, que fez desse esporte não apenas uma competição fria, calculista, submissa aos números da estatística.
Desde o Paulistano de Fried, no despertar da década de 20, que os europeus se maravilham com nossa inventiva, nossa fantasia, como eles costumam dizer. Houve um tempo em que éramos apenas isso.
Depois, aliamos o espírito de competitividade à nossa inspiração e resultou um futebol tricampeão. Nossos clubes, do Santos de Pelé ao São Paulo de Telê, passando pelo Flamengo de Zico e pelo Grêmio de Mário Sérgio, ganharam na raça e na paciência títulos mundiais, mas deixando sempre o encanto de um belo futebol por onde passaram.
O espírito de competitividade, a disciplina tática e tudo o mais não excluem o espetáculo. Ao contrário, são o suporte deste. E o gol é o objetivo principal de cada time, em cada partida. Tudo é montado para que se obtenha o prazer maior, o grande orgasmo do futebol –o gol.
Evitá-lo, adiá-lo, suprimí-lo, em nome da vitória final, pode ser estrategicamente acertado, num determinado momento, mas sempre será um crime. Um crime contra o futebol, que só existe para produzir prazer. Um crime contra o torcedor, que só quer ter o prazer de gritar gol. Nada mais.

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