São Paulo, quarta-feira, 20 de julho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O tetra não deve ser a vitória da burocracia

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Como disse sabiamente o simpático técnico dos EUA, Boris Milutinovic, "o vencedor tem sempre razão". O Brasil venceu, Parreira foi o técnico; logo, Parreira tem razão, certo?
Mais ou menos. Seria preciso ter uma teimosia do tamanho da de Parreira para dizer que o Brasil ganhou "apesar dele". Não há como negar seus acertos e, acima de tudo, sua paciência. Propôs-se a montar um time coeso, de marcação cerrada, que não dá chance para o adversário, e foi isso o que vimos na Copa: poucas vezes a bola chegou perto do nosso gol.
Mas Parreira não tem razão quando pretende extrair da vitória uma conclusão universal, taxativa e peremptória, contra a criatividade no futebol.
"O sonho acabou", declarou, 24 anos depois de John Lennon, com um sorriso sinistro que revela o sentimento de quem jamais gostou de fato de um drible de Garrincha ou de uma bicicleta de Pelé. (Aliás, Romário não teria lugar em seu time se Careca não tivesse, num gesto de rara grandeza, pedido para sair, em 93).
Olhando com atenção os jogos da Copa é possível chegar a uma conclusão oposta à de Parreira. Foi justamente graças à arte de alguns de seus jogadores que equipes como a Bulgária, a Romênia e a Nigéria chegaram muito mais longe do que jamais tinham conseguido.
Num campeonato em que predominaram as defesas fechadas, o que fez a diferença foi a imaginação –ouso dizer, para horror de Parreira, a "magia"– de um punhado de craques: Romário, Baggio, Stoichkov, Hagi, Brolin...
Dizer que o Brasil ganhou porque abriu mão da fantasia é tão burro quanto dizer que em 82 perdemos porque jogamos bonito. Aliás, Alberto Helena lembrou com muita propriedade que em 74, 78 e 90 jogamos feio e também perdemos.
Em 94 não jogamos feio nem bonito. Jogamos com força e determinação. Ganhamos, merecemos, foi ótimo. Mas a notícia de que o futebol-arte morreu é um tanto precipitada. Você a ouviu em 82. Maradona fez picadinho dela em 86.
Tomara, enfim, que o tetra não represente, no Brasil, o triunfo da burocracia defensivista, do esquema sem atacantes que Zagalo preconiza para o futuro. Se isso ocorrer, como faremos para matar a fome de gols de Ronaldo, Edilson, Viola e de todos os garotos artilheiros que hão de surgir até 98?

Texto Anterior: O ARTILHEIRO
Próximo Texto: O futebol é canal para a violência que não gera
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.