São Paulo, quinta-feira, 21 de julho de 1994
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A vitória é um alívio à tristeza de de nosso país

NUNO COBRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

A vitória é um alívio à tristeza de nosso país
Fiquei muito contente de ver a vitória da seleção brasileira oferecida ao Ayrton Senna. Foi uma lembrança muito justa, porque, como ele, esta seleção conseguiu uma incrível conquista com muita determinação, garra e paciência. Foi um grande mérito de todos os nossos atletas, que, impedidos de mostrar toda sua arte, souberam ser frios e determinados na hora decisiva.
Nosso país estava doente de há muito. Sofria de anemia profunda em sua economia, tinha um câncer moral que corrompia suas entranhas.
Aquele que simbolizava o que de mais puro e de mais forte corria no sangue de todos os brasileiros tinha partido tão inesperadamente. Eu, pela circunstância acidental de ter convivido com ele tão intimamente, pude receber do povo sua dor incrível e perceber sua profunda tristeza.
Em todo o território nacional, na menor cidadezinha do país, se notava a dolorosa falta. Por tudo isso esta vitória estupenda agiu como um soro na veia de nosso país, com efeitos mágicos, trazendo de volta o sorriso do povo.
Tenho certeza que o Ayrton não queria as coisas assim, tristes, e de alguma forma empurrou o Taffarel para o canto correto, naquela defesa extraordinária, e entortou um pouco os pés de dois heróis do futebol italiano para que eles jogassem, inexplicavelmente, a bola nas nuvens.
Tem agora o país restituída sua alegria, sua beleza, e de alguma forma restabelecida a sua saúde mental. Necessário se torna que nossos homens públicos, à maneira de nossos atletas, suem mais a camisa e acima de tudo lutem com garra, com galhardia a favor do merecido povo brasileiro. Que saibam aproveitar agora o otimismo que percorre todo seu povo.
Esta significativa vitória do futebol brasileiro sai da área circunscrita ao próprio esporte. Através desta conquista, o esporte mostra mais uma vez sua extraordinária conotação social. Sacode o Brasil de ponta a ponta, balança este gigante continental, devolve ao brasileiro toda a sua força.
Por algumas horas o Brasil foi uma grande família. Emocionei-me vendo cenas de incrível calor humano. Finalmente eu via uma cidade dentro de São Paulo, sempre tão fria e distante.
Eram todos irmãos vibrando na mesma energia, todos estavam solidários, felizes, despejando amor em seus semelhantes. Que coisa bonita!
Todavia fiquei muito triste de ver a forma como a vitória foi conseguida, sem brilho, de forma vazia e opaca. Parecia mais um joguinho de computador do que um enfrentamento de homens, de gente com emoção e talento. Parecia mais uma máquina fria lutando a todo custo para não sofrer gols.
Pelo menos nosso técnico finalmente provou como não se deve jogar futebol. Não aceito suas idéias. Acho que ele deveria trabalhar em alguma indústria, nunca com gente e esportes, em que a criatividade é a melhor arma e oferece a maior beleza.
No futebol deve haver alma e sentimento, emoção e arte, porque o esporte, acima de tudo, é uma arte, uma das mais emocionantes. Ficou entretanto provado que tática não ganha Copa. A vitória foi conseguida nos pênaltis, o que não é tática para vencer um Mundial.

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