São Paulo, quinta-feira, 21 de julho de 1994
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Mas não se mata cavalo?

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – O Brasil não teve culpa, mas a decisão de uma Copa do Mundo por pênaltis não é a mesma coisa. Tudo fica valendo, o título, a estatística, até mesmo o direito ao delírio.
Na crônica de ontem ("O enteado da glória"), contei uma historinha em parte verídica –como as fábulas costumam ser. O torcedor típico, que em 70 teve direito a tudo, sentiu que agora faltou qualquer coisa. Culpa do regulamento, não do futebol em si, muito menos do Brasil.
Horace McCoy é conhecido por um único livro: "Mas Não se Mata Cavalo?". É a história de um campeonato de dança em que os concorrentes são obrigados a dançar até que sobre um único par. A coisa leva mais de um dia, os candidatos podem se alimentar de sanduíches, beber água, só não podem parar. O casal vencedor é o que consegue permanecer em pé, não importa que esteja realmente dançando.
A bolação é sinistra, coisa de americano e de seu espírito competitivo. Mas o final de Brasil-Itália por pouco não ia se transformando em maratona igual: os italianos estavam caindo, urrando de dores provocadas por cãibras.
A Fifa não me consultou ao fazer o seu regulamento. Durante a Copa, uma decisão por pênaltis até que teria a sua graça. Mas a final é uma justa medieval em que um apenas deve ter o direito de ficar em pé. A decidir o duelo por pênaltis, seria melhor o juiz tirar cara ou coroa.
Com os recursos que hoje dispomos, a decisão podia ser transferida aos presidentes dos países em luta. No telão apareceria Berlusconi e pediria cara. Itamar pediria coroa. A moeda voaria, o juiz e a câmara oficial da Fifa mostrariam o resultado, pronto, "causa finita".
A alternativa seria selvagem, mas emocionante. A prorrogação não teria 30 minutos, mas o tempo necessário para que um vencesse –durasse horas, dias ou semanas. Seria talvez um prejuízo aos patrocinadores, às televisões e jornais que precisam de esquemas para a programação. Mas o vencedor seria realmente um vencedor.
Deixo a sugestão e deixo os leitores em paz. Irei para fora, é contribuição ao gáudio geral. Deixo a ameaça: até a volta.

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