São Paulo, sexta-feira, 22 de julho de 1994
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Uma gota milionária

JANIO DE FREITAS

Assessores do ministro Rubens Ricupero pressionaram anteontem especialistas da Receita Federal, e o próprio Osiris Lopes Filho, para que encontrassem alguma forma de amparo legal, mesmo que artificioso, para a ordem de liberação das bagagens dos jogadores e demais passageiros do vôo da seleção. Não houve a solução pretendida: a ordem desrespeitou a lei de maneira irreparável.
A relação entre o episódio das bagagens e a demissão de Osiris Lopes Filho não é, porém, absoluta. A velha imagem da gota dágua, de atualidade eterna, exprime bem que o pedido de demissão não se deu por um só motivo, mas porque esse motivo, com o peso indecoroso de toneladas de bagagens, foi o elemento transbordante de um processo. Uma gota dágua que pesava 12.758 kg, na parte destinada ao Rio, e 1.462 na destinada a S.Paulo. Ou 14,22 toneladas no total, cujos impostos dispensados vão a mais de US$ 1 milhão.
O apoio a Osiris Lopes Filho já estava retirado há bastante tempo. Nunca foi grande, a não ser para as aparências públicas, já no tempo de Fernando Henrique como ministro, que não poupou sinais ao diretor da Receita de que o preferiria bem mais moderado no exercício da função.
Tão logo Rubens Ricupero assumiu a Fazenda, aconteceu a primeira manifestação de hostilidade explícita a Osiris. O secretário executivo do ministério, Clóvis Carvalho, impediu a publicação no Diário Oficial da remodelação modernizadora da Receita. Era, com toda a evidência, um expediente para levar Osiris ao pedido de demissão. Ao fim de longa tergiversação e em vista das reações à retenção da medida reformadora, Ricupero deu sua concordância pública com a posição de Osiris. Mas, na prática, só permitiu a aplicação de parte da reforma.
O grave problema do processamento das declarações de renda, por exemplo, não se solucionou e ainda se agravou. Osiris conseguiu fechar com o Banco Interamericano de Desenvolvimento um acordo que permitiria à Receita equipar-se para fazer seus processamentos ela própria, e não mais o Serpro. Ao invés de apoio ao acordo, a Receita recebeu um orçamento do Serpro para processar as declarações deste ano, em montante que Osiris considerou escandalosamente alto: US$ 98 milhões e 300 mil. Não excedo a coincidência, mas não deixo de registrar que o ministro Ricupero é casado com uma funcionária do Serpro.
Se foi, ou não, outro expediente para estimular o pedido de demissão de Osiris, fica por conta da dedução de cada um. Mas o fato é que o ministro comprometeu-se a pagar uma gratificação a que os funcionários da Receita têm direito e não o fez. Aconteceu, por consequência, o esperável desgaste de Osiris com parte dos funcionários, dificultando-lhe o entendimento com o comando da greve que já dura um mês, sem qualquer gesto do ministro para facilitar a solução.
Desde que a disputa eleitoral começou a esquentar, assessores da confiança de Osiris passaram a receber sinais de que o governo e Fernando Henrique estavam crescentemente queixosos: Osiris não estaria sendo compreensivo com certas necessidades da campanha de um candidato à Presidência. O que se deve entender como certas conveniências de apoiadores da candidatura.
Não é só Osiris Lopes Filho que não compreende certas coisas. A Receita recebeu, tão logo divulgado seu pedido de demissão, mais de 500 manifestações de solidariedade, por telefone e fax, de cidadãos comuns. E não só estes se manifestaram: ao começo da noite, 67 dos 96 delegados e inspetores da Receita estavam já com seus pedidos de demissão apresentados, por entenderem que se encerraram as condições de cumprir plenamente os seus deveres. Convidado para substituir Osiris, Sálvio Medeiros da Costa, funcionário da Receita, não deu resposta ontem.
Em sua carta aceitando a demissão de Osiris, diz o ministro Ricupero que "o governo Itamar Franco continuará o mesmo esforço (...) de combate à sonegação e evasão fiscais, sem admitir quaisquer privilégios". É uma declaração de propósitos muito merecedora de fé, depois das suas e das liberalidades alfandegárias do ministro Henrique Hargreaves.

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