São Paulo, domingo, 24 de julho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Corporativismo versus cidadania

ANTONIO KANDIR

Erramos: 30/07/94

Este artigo contém uma informação errada. O debate do candidato Fernando Henrique Cardoso não se realizou no auditório do Banco do Brasil, nem contou com a presença de 40 dirigentes da empresa. O debate ocorreu em Brasília, na sede da Associação dos Funcionários do Banco do Brasil, unicamente com a participação de seus associados. Corporativismo versus cidadania
"O Banco do Brasil não é o Estado, é parte do Estado." Essa frase, dita por Fernando Henrique Cardoso em debate áspero com 40 dirigentes do Banco do Brasil, na terça-feira, aponta para o maior obstáculo às reformas do setor público no Brasil: o corporativismo.
O candidato do PSDB enfrentou, sem concessões e agrados, uma platéia hostil a considerações firmes sobre a necessidade de o Banco do Brasil ajustar-se a uma economia de inflação baixa.
Ao fazê-lo, FHC confirmou as credenciais que tem para ser o grande condutor das reformas para a consolidação da estabilidade econômica, no próximo mandato presidencial. Foi um dos pontos altos da campanha até o momento.
Tanto mais por ter ocorrido na mesma semana em que a opinião pública tomou conhecimento da dívida de US$ 1 bilhão da Petrobrás para com a Receita Federal, grande parte em impostos indevidamente retidos, e do acúmulo de pressões, dentro do setor público, por maiores gastos e revisões tarifárias, em claro desacordo com a meta de austeridade fiscal do plano de estabilização.
As grandes corporações estatais são herança do modelo de desenvolvimento forjado nos anos 50. Multiplicaram-se no tempo do regime autoritário e, à medida que se aprofundava a crise do Estado, ganharam crescente autonomia frente ao Executivo, ao governo propriamente dito.
Formalmente subordinadas a ministérios, atuam conforme os interesses de suas burocracias, das alianças que estas estabelecem com grupos empresariais privados e com forças políticas, dentro e fora do Congresso.
Atuam, não raro, em frontal desrespeito à legislação vigente, como no caso das contribuições feitas por empresas estatais e instituições oficiais aos fundos de pensão por elas patrocinados.
Muito superiores ao limite legal, essas contribuições servem para garantir privilégios restritos aos membros da corporação, em detrimento do contribuinte, que acaba pagando a transferência indevida na forma de tarifas mais caras e/ou serviços deficientes.
A reforma do Estado, indispensável à consolidação da estabilidade e à retomada do desenvolvimento, não passará à realidade, em toda extensão necessária, se não houver coragem para enfrentar os interesses corporativos encastelados no setor público. Isso não significa que se deva privatizar tudo, a torto e a direito, como querem os neoliberais.
O Banco do Brasil, por exemplo, como fez questão de deixar claro Fernando Henrique no debate mencionado, é um bom exemplo, não o único, de instituição de governo a não ser privatizada.
A questão está em submeter ao controle do Executivo, à fiscalização do Congresso e aos riscos e mecanismos do livre mercado as empresas que não devam ou não possam, no momento, por razões estratégicas ou de mercado, ser privatizadas.
Não é à toa que se exacerbem agora os conflitos dentro do setor público. O Plano Real coloca em xeque interesses e práticas habituais das corporações estatais.
No caso das instituições oficiais de crédito, cessam os ganhos financeiros extraordinários que só a superinflação proporciona e chega a hora da verdade, do ajustamento e da eficiência.
No caso das empresas fornecedoras de bens e serviços, aplica-se o mesmo, já que se torna politicamente mais complicado transferir de modo imediato para tarifas e preços quaisquer aumentos de custos, seja no pagamento de salários, seja na compra de insumos.
Do atual governo, espera-se firmeza para sustentar o dique até o próximo período presidencial. Do próximo chefe de Estado e do Congresso, espera-se comando e coragem para levar à frente a reforma do Estado, não só, mas principalmente por meio da revisão constitucional, logo ao início do novo governo.
Pelo que se viu no auditório do Banco do Brasil, em Brasília, na última terça-feira, há motivos sólidos para se ter esperança.

Texto Anterior: Nota fiscal - exibição; Energia elétrica; Atos ilícitos; Greve; IR - Único imóvel; Segurança do trabalhador; Assunção do IR/fonte
Próximo Texto: O SOBE E DESCE
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.