São Paulo, domingo, 24 de julho de 1994
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A seleção do tetra reflete imagem do país

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Maria Lúcia é uma jornalista de 50 anos, que teve a desventura de ficar casada com um cronista esportivo durante mais de vinte anos. Sua especialidade é moda e beleza, nunca se interessou por futebol, a não ser, como todo brasileiro, pela festa das Copas. Em 82, estava em Barcelona; agora, viu pela tv. E ontem, me fazia um paralelo das duas seleções: "Naquele time, os jogadores pareciam flutuar sobre o gramado, leves, elegantes, velozes. Nesta, eles pareciam pregados no chão, pesados, lentos". Um expert em futebol não poderia ser mais preciso.
Por certo, os defensores do tal futebol de resultados dirão que, realmente, Falcão, Zico, Sócrates e cia. estavam nas nuvens; Dunga e seus disciplinados soldados de chumbo estavam com os pés no chão. Por isso, estes ganharam e aqueles perderam. É uma tese, que se baseia nos resultados. E, contra fatos, há muitos argumentos Por exemplo: nosso tão decantado sistema de segurança não foi tão seguro assim, se levarmos em conta que tomamos dois gols dos holandeses quando já os goleávamos por 2 a 0 (ou tal placar não era uma goleada, naquelas circunstâncias?). Se Branco não tivesse recorrido ao expediente de meter a mão na cara de um, depois no peito de outro e se atirado para o juiz marcar a falta que ele mesmo converteu em gol da vitória, quem pode garantir qual seria o resultado final?
Outro exemplo: contra uma Itália estropiada, criamos chances, mas também oferecemos oportunidades ao adversário. E fomos para os pênaltis, que o senso comum diz ser uma loteria. Ora, que segurança há numa aposta de loteria?
Em contrapartida, perdemos para a Itália, em 82, contrariando toda a lógica do jogo. Depois do terceiro gol italiano, tivemos mais três chances incríveis de marcar, com Eder, Sócrates e aquela cabeçada precisa de Oscar, que, segundo as leis do futebol, é indefensável.
Digo tudo isso porque acho que o futebol é um pouco o espelho de uma realidade, de um povo, de uma idéia geral. E essa seleção do tetra reflete muito da imagem que este país –ou a parte mais sadia dele– pretende apagar: a de levar vantagem em tudo, não importam os meios. E o lamentável episódio das bagagens liberadas só veio confirmar isso.
Esse é o exemplo do tetra?

A propósito: não dá pra entender como jogadores experientes, que há anos militam no Primeiro Mundo, onde juntaram um patrimônio respeitável, dêem um espetáculo deprimente como esse do desembarque no Brasil. Heróis nacionais, eles deveriam ser os primeiros a dar o exemplo daquilo que aos microfones das rádios e diante das câmeras de televisão todos vivem criticando: o injusto e discriminado tratamento que se dá a que tem fama e fortuna neste país.
A imagem de Ricardo Teixeira, com aquele cafona telefone celular chamando o ministro da Fazenda para perpetrar uma ilegalidade pública, diante da TV, só é comparável com a dele cambaleando, na festa do tetra, lá em Los Angeles.
A bem da verdade, ao levantarem a taça, eles nada mais cumpriam além de seu dever. E a recompensa, automaticamente, virá com novos e melhores contratos. Não há nenhuma razão para o povo brasileiro pagar essa orgia de compras dos jogadores. A gratidão do torcedor está na recepção calorosa e festiva que nossos craques receberam em terras brasileiras. E ponto final. O resto é trambique.
Assim como os artistas, cientistas, escritores, empresários, diplomatas, enfim, uma legião de brasileiros que vai ao exterior enobrecer o nome do Brasil, jamais receberam, em troca, o preço de seu sucesso em forma de isenção de tributos.
É o cúmulo.

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