São Paulo, terça-feira, 26 de julho de 1994
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Marcus Miller aponta dissolução do jazz

CLAUDIO JULIO TOGNOLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Marcus Miller, 35, um dos maiores baixistas de jazz do mundo, cometeu uma heresia: disse que o conceito de jazz está acabando, ou simplesmente já morreu. "Essa palavra já não significa mais nada, de tanta coisa diferente que se faz com o nome de jazz".
Ele falou à Folha por telefone de sua casa, nos EUA, e antecipou o que vai trazer ao Brasil no Free-Jazz, em outubro próximo. Ele divide o palco com o tecladista Joe Sample, com o clássico vocalista Al Jarreau e com o brasileiro Djavan.
Miller adianta que, no show, além de tocar trechos de música popular brasileira (que aprendeu com John Scofield), vai interpretar peças de Miles Davis (com quem tocou 18 meses) e um ritmo que atribui-se a ele a invenção: o go-go. Eis o que ele falou:

Folha - O que você vai tocar no festival?
Marcus Miller - Trago uma banda com saxofones, trompetes, teclados e uma guitarra. Eu venho com contrabaixos de quatro e cinco cordas, e um de seis cordas sem os trastes, fretless.
Pretendo fazer muito jazz misturado com rhythm and blues, que é uma característica minha. Eu sei tocar alguma coisa de música popular brasileira, mas sempre dentro da maneira americana de interpretá-la, bem à moda de John Scofield e de Stan Getz.
Aprendi muito sobre a música brasileira com um percussionista brasileiro que conheci aqui, o nome dele é Patinho.
Folha - Mudou muito o conceito de jazz, a seu ver, já que hoje até bandas de rap são consideradas como jazzísticas?
Miller - Certamente o jazz que se faz hoje já não é aquele das décadas de 40 e 50. Veja que o jazz hoje já é até feito por grupos de rap e de hip hop.
Podemos dizer que a palavra jazz hoje já não significa mais nada, de tantas combinações diferentes que já se fizeram em cima desse estilo.
Folha - Mas você, por sua vez, foi um dos responsáveis pela mudança, introduzindo no jazz os blues e o ritmo go-go, que você mesmo inventou?
Miller - Sim, eu gosto de colocar os blues no jazz. E a história da go-go music surgiu a partir da faixa "Da Butt", que estava no filme "School Daze", de Spike Lee. Ele me encomendou a música eu introduzi o ritmo novo para mostrá-lo a todos os Estados Unidos.
A go-go music só era conhecida em Washington. Ela é uma espécie de blues com outra pulsação, tem um punch totalmente diferente, mais relaxado.
Folha - Você não acha que cada vez os músicos entendem menos de música, genericamente falando. Virou pecado saber, pro exemplo, o que é tocar no modo mixolídio?
Miller - (Risos) Quando você sabe música, acaba tendo outros horizontes. Por exemplo, o Miles Davis me ensinou tanto que mudou meu estilo de tocar, tornou-o muito mais contemporâneo.
Agora eu acho que muitos músicos, é verdade, estão querendo sair dessa história de se tocar estudar muita música. Acho que as pessoas normais estão se revoltando com o fato de terem que conhecer uma escala do modo mixolídio ou o que é saber fazer uma escala pentatônica.
Há uma corrente hoje em dia, feita de pessoas que eu chamo de comuns, que acham que o mais importante na música é o sentimento, é a intuição.

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