São Paulo, quarta-feira, 27 de julho de 1994
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Como simplificar os encargos sociais

JOSÉ PASTORE

Agradeço a generosidade da Folha ao conceder mais esta oportunidade para eu prosseguir no diálogo com o professor Edward Amadeo embora, desta vez –e com razão– o espaço tenha sido limitado a cem linhas, o que me impede de responder à exaustão as importantes questões por ele levantadas em relação ao meu artigo "Encargos sociais" publicado nesta página em 05/07/94.
Este debate está se revelando frutífero pois começo a sentir uma gradual melhora no modo de pensar do meu ilustre interlocutor.
No seu artigo de 17/07/94 ele já reconhece que o nosso mercado de trabalho é demasiadamente regulamentado e propõe a sua desregulamentação pela ampliação do escopo da negociação e redução do papel da lei e da Justiça do Trabalho.
Concordo com tudo isso, especialmente se removermos as inconsistências que ainda persistem entre o seu diagnóstico e a sua terapia. Destacarei três elas.
1) O professor Amadeo defende a superioridade da negociação –com o que eu concordo– mas reserva ao chamado modelo "social-democrático" o monopólio de negociar –com o que eu não concordo– pois, negociação não é privilégio de nenhum modelo.
2) Ele ressalta a importância de se criar condições que estimulem as empresas a investir na qualificação da sua mão-de-obra –com o que eu concordo– mas propõe o estancamento da rotatividade por meio da lei –com o que eu não concordo– porque valorizo muito a negociação, como ele diz valorizar.
3) Finalmente, Amadeu advoga a redução do papel da lei e do poder normativo da Justiça do Trabalho –com o que eu concordo– mas propugna a manutenção de tudo o que está na Constituição e na CLT no campo dos encargos sociais –com o que eu não concordo– pois isso nos levaria a um beco sem saída, além de contrariar a própria idéia de se reduzir o papel da lei.
Qualifico melhor esta última discordância.
O nosso sistema de relações de trabalho, diferentemente dos países avançados, se baseia muito mais na lei do que no contrato. Entre nós há muita legislação e pouca negociação; muito julgamento e pouco entendimento. O grosso dos direitos está na Constituição e na CLT.
Portanto, toda e qualquer divergência entre as partes dispara uma imediata ação judicial lembrando-se que, no Brasil, ao contrário das 40 nações de maior PIB (Produto Interno Bruto), a Justiça do Trabalho tem podres para julgar tanto os conflitos de natureza jurídica quanto os conflitos de natureza econômica –o que, comprovadamente, inibe a negociação.
Suponhamos que o professor Amadeo realize o seu sonho de reduzir ou eliminar o poder normativo em mexer no quadro legal dos encargos sociais. Como será a prática?
É muito simples: toda vez que ocorrer um conflito de natureza econômica em torno dos encargos sociais (baseados na lei), a parte prejudicada recorrerá aos tribunais em busca da respectiva reparação, tendo a Justiça do Trabalho amplos poderes para julgar a referida disputa pois ela envolve, a um só tempo, questões econômicas e jurídicas.
Ou seja, é impossível reduzir ou eliminar o poder normativo sem tirar do âmbito da lei –e passar para o da negociação– o que deve ser objeto de contratação voluntária. Lamento dizer, mas a lógica não está a favor do professor Amadeo.
A redução do poder normativo, a ampliação da negociação e a implantação da contratação coletiva exigem o enxugamento da Constituição e da CLT. Pretender negociar em cima dos encargos sociais atuais, equivale a querer jogar futebol numa mesa de pingue-pongue. Falta espaço.
Depreende-se de seu artigo que Amadeo deseja: 1) manter os encargos sociais rigidamente ancorados na lei, do jeito que estão; 2) enrijecer, também por lei, os mecanismos de controle da dispensa e da rotatividade, podendo-se chegar até mesmo à estabilidade de emprego; 3) negociar os salários e os demais standards do trabalho a nível nacional –o que é quase tão rígido quanto a lei; 4) e negociar o resto ao nível dos setores e das empresas. Mas, o que sobra para ser incluído nesse "resto"? É preciso que o professor Amadeo deixe claro o que tem em mente.
O Brasil é um país de tudo ou nada. Ou se contrata com todos os encargos ou se contrata sem nenhum encargo. Não é à toa que o mercado informal já ultrapassa os 50% e não pára de crescer.
Na indústria de transformação, os encargos chegam a 100% sobre o salário. Na construção civil, eles ultrapassam a 160% –sem a menor possibilidade de negociação. Tudo é muito rígido. Não temos meio termo.
Mesmo os países altamente regulamentados possuem fórmulas flexíveis de contratação do trabalho.
Na França e Itália, contratam-se jovens em situação de aprendizagem, formação e adaptação com menos encargos sociais.
A Espanha possui dez modalidades de contratos com encargos reduzidos. Portugal alivia os encargos nos casos de substituição temporária, atividades sazonais, novos empreendimentos, jovens no primeiro emprego e desemprego de longa duração.
Alemanha isenta de encargos quando os empregados trabalham menos de 20 horas por semana.
A Argentina já pratica várias modalidades de contratos para situações especiais. O Chile e o Peru desregulamentaram quase tudo no campo trabalhista (ver Luiz Carlos A. Robortella, "As Transformações do Direito do trabalho", Tese de Doutoramento, Faculdade de Direito da USP, 1994).
Enquanto isso, os parlamentares brasileiros, com raras exceções, não perderam uma só oportunidade de regulamentar ainda mais o que precisava ser desregulamentado.
Em 1988, em lugar de flexibilizar o mercado de trabalho, eles transportaram quase toda CLT para a Constituição e em 1994 –em lugar de fazer a revisão da Carta Magna– aprovaram o Estatuto dos Advogados que implantou, por lei, a jornada de quatro horas e 100% de hora extra para todos os advogados do Brasil!
E ainda tem gente achando que os nossos encargos sociais não dificultam o emprego no mercado formal...

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